Escola Paulista da Magistratura: educação e tecnologia
EPM se adapta para manter cursos e criar projetos.
O novo coronavírus trouxe mudanças para quase todos os segmentos de atuação. As novas regras de comportamento e o isolamento social impuseram transformações que, na virada do ano, poucos imaginavam. Empresas precisaram colocar seus funcionários em trabalho remoto; lojas e restaurantes investiram no e-commerce e no delivery; e, no Judiciário, julgamentos virtuais e teleaudiências se tornaram uma realidade. Mas, talvez um dos setores mais impactados pela pandemia da Covid-19 tenha sido a Educação. Escolas e universidades tiveram rapidamente que buscar o auxílio da tecnologia para viabilizar as aulas, com o desafio de manter a qualidade no ensino e a interação entre professores e alunos.
Na Escola Paulista da Magistratura, braço acadêmico do Tribunal de Justiça, a implantação das mudanças necessárias para o bom desempenho dos cursos e palestras também se tornou uma prioridade da gestão a partir do final do mês de março, quando, por orientações de especialistas da Saúde, o TJSP precisou suspender eventos e sessões presenciais. “Todos nós fomos pegos de surpresa, em todas as áreas. No primeiro momento não se tinha ideia da extensão temporal dessa crise. Seguimos as diretrizes do Tribunal e suspendemos as atividades presenciais, priorizando a segurança de alunos, professores e servidores que participam da Escola”, afirma o desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, diretor da EPM
A Escola, que sempre esteve alinhada com as novas tecnologias e modelos de ensino, logo migrou a maior parte de seus cursos para o ambiente 100% virtual. O uso de diversas plataformas digitais, que já eram utilizadas, ganhou reforço. A quantidade de acessos ao Moodle e à Central de Vídeos aumentou significativamente e o uso do Teams foi incorporado ao dia a dia de docentes e alunos. A EPM recebeu o apoio da Presidência do TJSP, que, por meio da Secretaria de Tecnologia da Informação (STI), prestou auxílio para garantir a qualidade nos acessos. Os servidores que atuam na secretaria da EPM também buscaram alternativas para atender às necessidades dos professores e dos alunos. Atualmente estão em andamento dez cursos de pós-graduação; dez cursos em fase de monografia; o curso para vitaliciamento de magistrados; cinco núcleos de estudos; além da realização de dez cursos de curta duração. Ao todo, participam das atividades mais de 3.100 alunos, sem contar os telespectadores de eventos abertos ao público.
Para a desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani, que integra o Conselho Consultivo e de Programas da EPM, a estrutura que já existia na instituição foi importante para a retomada rápida das atividades. “Antes da pandemia já registrávamos grande número de interessados na modalidade de cursos on-line e, por essa razão, tínhamos uma boa infraestrutura. Mas, também foi fundamental para o sucesso das atividades a disposição de professores e alunos em utilizar essas ferramentas. É preciso estar preparado do ponto de vista técnico e também devemos estar abertos a utilizar novos formatos de ensino para a disseminação do conhecimento”, destaca a magistrada.
Metodologia
Manter a atenção de estudantes pode ser uma tarefa complicada quando se trata de aulas on-line. O advogado Fábio Dias de Almeida, que é aluno do 10º Curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito Empresarial, da EPM, conta que, no início, teve receio da mudança do presencial para o digital. No entanto, a dinâmica apresentada por seus professores, os juízes Renata Mota Maciel e Marcelo Sacramone, despertou seu interesse em prosseguir com o curso na versão on-line. “Os alunos foram separados em duas turmas e dentro de cada uma foram criados pequenos grupos com três ou quatro pessoas. Todas as terças, um dos grupos fica responsável pelo seminário, com um assunto pré-determinado. Essa tarefa aproxima o aluno dos temas estudados e gera debates interessantes, que enriquecem o aprendizado”, conta Fábio Almeida.
A avaliação positiva de Fábio Almeida é um indicativo de que os esforços dos professores para manter a qualidade do ensino têm gerado resultados. A juíza e professora Renata Mota Maciel sempre busca alternativas, especialmente para a interação. Ela criou grupos de WhatsApp com suas turmas e prefere fazer as aulas por videoconferência pelo Teams, estimulando a participação de todos. “Foi preciso mudar a didática e aprofundar o diálogo. A vantagem do on-line é que até os mais tímidos se sentem à vontade para falar, ainda que estejam com a câmera desligada”, relata.
Alguns podem imaginar que apenas jovens professores, como Renata Maciel, estavam preparados para a mudança, mas o desempenho do corpo docente da EPM, composto por magistrados de todas as idades, surpreendeu pela conectividade. “É interessante ver a adaptação de gerações diferentes para um novo modelo de trabalho conjunto. Algumas pessoas, e me incluo neste grupo, não estavam acostumadas com a tecnologia. Vínhamos aprendendo gradualmente e, de repente, tivemos que correr. Dispostos a aprender, a fazer e a participar, demos um salto gigantesco”, ressalta do diretor da EPM.
Novos tempos
Outro impacto da pandemia da Covid-19 está nos temas do Direito. Demandas na área de falências, aumento de violência doméstica e questões relacionadas a políticas públicas são apenas alguns exemplos de processos que chegam diariamente ao Judiciário. Debater esses assuntos e ouvir especialistas é uma das atividades da EPM, que tem promovido webinários. “O papel da Escola é levar o máximo de informação possível, para que os profissionais do sistema de Justiça prestem o melhor serviço à sociedade, especialmente nesse momento”, diz Aguilar Cortez.
O juiz e professor Luis Manuel Fonseca Pires, por exemplo, participou de um webinar sobre a judicialização das políticas públicas em razão da Covid-19. Em sua opinião, estamos passando por um momento de profundas revoluções – culturais, sociais, políticas – causadas não apenas, mas com grande contribuição, pelo novo coronavírus. “Conceitos jurídicos sofrem profundas ressignificações e vão sofrer mais nos próximos anos. Um bom exemplo é o tema ‘Federação e Competências’. Se fossemos imaginar, ano passado, algum mundo distópico tomado por uma pandemia que provocasse isolamentos sociais generalizados, se nessa ficção perguntássemos como seriam as competências públicas da União, estados e municípios na organização de políticas públicas de Saúde, dificilmente algum especialista poderia sugerir que prevaleceria, como aconteceu, o prestígio às decisões de Municípios e Estados em detrimento da União”, opina o juiz.
Entre os projetos da EPM, alguns já em andamento, estão novas parcerias com outras instituições para a realização de eventos; a veiculação de mais vídeos no YouTube e a liberação de acesso a materiais da Central de Vídeos. Em meados de junho, por exemplo, a Escola e a OAB SP promoveram o congresso “15 anos da Lei nº 11.101/05: problemas atuais e desafios para o futuro”. Foram três dias de eventos transmitidos pelo YouTube, que contou até mesmo com a participação de desembargadores aposentados, que integraram a primeira composição da Câmara Empresarial do TJSP.
Magistratura
A principal função da Escola Paulista da Magistratura está na realização do curso de iniciação funcional na carreira. Após aprovação em concurso público, nomeação e posse no cargo, os novos juízes participam de uma imersão com duração de 480 horas, com aulas sobre os mais diversos temas do Direito e, também, questões do dia a dia, como o uso dos sistemas informatizados do TJSP. No início do ano estava previsto o curso para os aprovados no 188º Concurso. No entanto, a posse foi suspensa por orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em razão da pandemia. “Não temos ao certo uma data para a posse dos novos magistrados, mas a Escola está preparada para realizar o curso a distância, usando plataforma que permite interação, fóruns de discussão e tarefas on-line. A depender da situação da pandemia, podemos mesclar aulas presenciais e digitais”, conta o diretor.
A EPM, no entanto, concluiu pelos meios virtuais o curso para vitaliciamento dos aprovados no 187º Concurso, que ocorre dois anos após o ingresso na carreira. São 77 magistrados, que têm um juiz orientador para esclarecer dúvidas. “O ponto positivo no curso on-line é poder conciliar com as nossas atividades jurisdicionais, possibilitando que cada um assista às aulas no horário mais conveniente, fora do horário de trabalho, garantindo-se, assim, que o aprimoramento técnico e intelectual”, explica o juiz Leonardo Issa Halah, um dos alunos.
Apesar de todos os esforços da área de ensino para proporcionar a maior interação possível entre os participantes e professores – com chats, fóruns, videoconferências, grupos de mensagens e outras ferramentas –, os entrevistados são unânimes sobre a relevância do contato pessoal. “Quando recebemos a notícia de que o curso seria integralmente virtual houve uma certa tristeza na turma, já que todos estavam ansiosos pelo reencontro depois de quase dois anos desde o curso de formação”, conta Issa Halah.
O diretor Aguilar Cortez afirma que as aulas on-line são a realidade do “novo normal”. Seus benefícios são muitos, pois permitem ampliar a escala de temas, expositores e ouvintes; conectar estudiosos dos mais diversos cantos do país e do mundo; diminuir a locomoção em grandes cidades e reduzir custos. Mas, em sua opinião, depois que a pandemia acabar, o ideal será o caminho que uma as duas formas, tirando o melhor de cada. “O contato pessoal permite uma troca mais ágil entre professor e estudante. Às vezes, pelo olhar, conseguimos perceber que o aluno não entendeu e, imediatamente, explicamos de uma nova maneira. As aulas presenciais sempre serão realidade. É gratificante, por exemplo, conhecer pessoalmente um grande nome de sua área e estar perto de quem se admira.”
No futuro, ainda sem data definida, a previsão é de retorno gradual das atividades presenciais, respeitando-se todas as orientações técnicas e médicas e as normas de flexibilização do Governo Estadual, sempre priorizando a saúde de todos. “Acho que a pandemia trará algumas lições para todos nós. Claro que não gostaríamos de pagar esse preço, mas temos que tirar dessa circunstância negativa um aprendizado, como o uso da tecnologia, tão útil quanto o ensino tradicional. Principalmente se, pós-pandemia, conseguirmos ter um equilíbrio entre os dois formatos”, conclui o diretor da Escola Paulista da Magistratura.
N.R.: texto originalmente publicado no DJE de 1/7/20.
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