EPM inicia o curso ‘Temas de inadimplemento contratual’
Judith Martins-Costa ministrou a aula inaugural.
Com a aula “Noção de inadimplemento”, teve início ontem (1º) o curso Temas de inadimplemento contratual da EPM, com exposição da professora Judith Martins-Costa e a participação dos desembargadores Luis Francisco Aguilar Cortez, diretor da Escola; Claudia Grieco Tabosa Pessoa, coordenadora do curso; e Francisco Eduardo Loureiro e do juiz Enéas Costa Garcia, também coordenador do curso.
Luis Francisco Aguilar Cortez agradeceu a participação de todos, em especial da palestrante, e cumprimentou os coordenadores, enfatizando a qualidade do curso e a atualidade dos temas. “Em razão da crise que estamos atravessando, a questão do inadimplemento contratual se faz mais presente e hoje um desses tópicos será analisado pela professora Judith e depois teremos outros palestrantes, todos de alto nível, abordando outros aspectos”, salientou.
Claudia Pessoa agradeceu à direção da Escola pela confiança depositada, ao juiz Enéas Garcia e à palestrante. “Temos a grande honra de receber para a aula inaugural a professora Judith Martins-Costa, que é uma referência para todos nós”, frisou.
Enéas Garcia também salientou que o tema do curso está muito presente no dia-a-dia forense. “Estamos abrindo um estudo sobre temas fundamentais, mas que muitas vezes são interpretados e aplicados de maneira confusa, gerando consequências e imprecisões. E buscamos trazer profissionais que se especializaram e que são referência nesses assuntos, de modo que a nossa expectativa é a melhor possível”, ressaltou.
Judith Martins-Costa iniciou a exposição lembrando que o inadimplemento das obrigações é um tema vasto. “Em primeiro lugar, para o estudo do inadimplemento das obrigações, nós temos de fixar duas noções de base: a de interesse ao cumprimento e a noção de prestação. Depois temos de estabelecer a distinção entre inadimplemento e impossibilidade superveniente e finalmente investigar a estrutura dos deveres que podemos perceber em uma análise interna do vínculo obrigacional”, explicou.
A professora ressaltou que o interesse do credor à prestação é o elemento central de compreensão de toda a disciplina do inadimplemento e da própria noção de prestação. Ela lembrou que a relação obrigacional, na sua estrutura mais básica, traduz-se no direito do credor à prestação e no correlativo dever do devedor de prestar. “Ao atribuir um direito subjetivo e ao impor um dever jurídico, temos a prevalência do interesse do credor (aquele que crê que será satisfeito) sobre o interesse do devedor, com a relação creditória proporcionando uma vantagem ao seu titular ativo à custa do titular passivo”, esclareceu.
Ela lembrou uma frase do professor João Calvão, da Universidade de Coimbra: “o interesse do credor é o alfa e o ômega da relação obrigacional”. “A primeira vez que eu li, aquilo me fixou como elemento de reflexão e dali pude tirar grandes consequências porque o interesse do credor, representando o fim ou a função da obrigação, a sua razão de existência, desempenha um papel de grande relevo na disciplina da relação obrigacional. O interesse do credor diz respeito à realização satisfatória da prestação. E a prática nos oferece inúmeros exemplos em que é preciso determinar se houve ou não o atendimento do interesse do credor”, explicou e citou exemplos.
A palestrante observou que a doutrina brasileira, em contraste com a portuguesa, tem dado pouca atenção à noção de prestação. E explicou que prestação poderia ser entendida como uma ação ou conduta atribuída ao devedor, caso se focalize o comportamento do devedor como elemento central. Ou poderia ser entendida como o resultado que satisfaça o interesse contratualmente definido ao credor, caso o interesse do credor à prestação seja colocado como o elemento central. E lembrou a indagação por Pontes de Miranda: “seria correto cindir a atividade humana e o seu resultado?”
A professora explicou que, conforme se direcione o foco para a ação do devedor ou para o interesse do credor se poderá concluir que a prestação como objeto é impossível ou que é impossível não a conduta, mas o resultado de determinada atividade ou mesmo o fim perseguido pelo negócio, se se compreender que o fim integra constitutivamente o núcleo conceitual da prestação; ou que se não se alcançar determinado resultado não teria havido o cumprimento, se compreendida fosse ao pé da letra a ideia de fim para alguma das espécies de prestações. Entre outros exemplos, citou alguém que loca um apartamento em Copacabana, de frente para o mar, para o fim específico de assistir aos fogos da virada do ano e as autoridades públicas cancelam o evento.
Judith Martins-Costa ressaltou que atualmente o estudo da ciência jurídica chegou ao consenso de que “a prestação não é nem apenas a conduta do devedor, nem apenas um resultado útil ao credor, nem sequer a soma das duas hipóteses mecanicamente, mas uma unidade composta por um condicionamento recíproco entre a ação de prestar e o resultado útil ao credor”. E acrescentou que todo negócio jurídico é por definição um negócio finalista, pois as pessoas somente realizam negócio porque têm um fim a atingir e, portanto, toda prestação comporta deveres de conduta direcionados ao resultado útil, à satisfação do interesse do credor. Ela citou critérios subjetivos e objetivos para se aferir a utilidade da prestação para o credor.
A professora expôs que a prestação pode sofrer perturbações que são eventos que podem vir a perturbar a marcha da prestação em direção ao seu cumprimento. Ela explicou que a expressão “perturbações das prestações” foi evidenciada pela reforma do Código Civil alemão de 2001/2002 que consagrou um título chamado de “Direito das perturbações da prestação”, sistematizando todas as figuras que venham a alterar o curso regular de uma prestação, desde o seu nascimento até a extinção pelo seu fim natural que é o adimplemento satisfatório. Acrescentou que na sistemática alemã estão inclusos a violação a deveres de prestação, incluindo o inadimplemento, seja relativo ou absoluto, a figura da violação positiva do contrato, da culpa in contrahendo e da impossibilidade de prestar.
Por fim, explanou sobre o conceito de inadimplemento e a sua distinção de impossibilidade superveniente e sobre a violação positiva do contrato, bem como sobre a distinção entre os deveres principais, secundários, anexos e laterais, explicando quais espécies de deveres uma vez não cumpridos geram o inadimplemento e esclarecendo que deve haver uma análise interna do vínculo obrigacional.
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