Núcleo de Estudos em Gestão da Justiça e Aprimoramento de Magistrados retoma as atividades
André Ramos Tavares foi o expositor.
Com estudos sobre o tema “Desafios do Direito e novas tecnologias” teve início na sexta-feira (23) a sexta edição do Núcleo de Estudos em Gestão da Justiça e Aprimoramento de Magistrados da EPM, com exposição do professor André Ramos Tavares, presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e mediação do juiz João José Custodio da Silveira, coordenador do núcleo.
Iniciando a exposição, André Tavares salientou que o núcleo de estudos permite avançar em áreas onde se encontram as grandes dificuldades que se apresentam ao Direito em virtude de avanços bastantes significativos verificados na sociedade. E esclareceu que alguns autores têm denominado como “Direito 4.0” o que deve dar solução às novas questões provocadas pelo avanço tecnológico, salientando que não se trata de visão do futuro, mas algo que já está acontecendo com relação às mudanças promovidas, especialmente na economia, que tem gerado mudanças nas relações sociais.
O professor ressaltou que essa nova economia, proveniente da economia digital, das plataformas digitais, especialmente daquelas de hiper escala, realizam uma verdadeira viragem na área do comércio, das relações empresariais e das próprias relações sociais. “Falaremos sobre os desafios que já estão postos e sobre as respostas que o Direito tem tentado oferecer e por vezes tem ofertado de maneira não muito adequada, não muito célere, devido às suas tradicionais dificuldades de adaptação, de compreensão de novos fenômenos e de respostas minimamente estruturadas.
O expositor destacou que o Direito é um instrumento de realização da própria economia. “O capitalismo só existe devido às regras jurídicas que foram assim formatadas. Há um suporte imprescindível para a realização do capitalismo, dado pelas normas, pelo próprio Direito. Então, o Direito não é secundário, ele é essencial, nuclear ao capitalismo”, salientou. E destacou que essa mudança da economia exigirá mudanças estruturais do Direito. Lembrando a lição de Hermes Lima, ressaltou que o principal núcleo de normas de qualquer sistema jurídico é a proteção do sistema econômico, de forma que, quando o sistema socioeconômico muda, o Direito será demandado para alterar as suas principais normas.
“Quando esse capitalismo vai se transformando por meio de novas tecnologias que propiciam e executam mudanças extremamente céleres e muito impactantes, é preciso que o Direito, ao se adaptar, não seja um Direito de mudanças superficiais. Não é uma questão de pequenas e pontuais alterações jurídicas em algumas regras que permitirão que nos adaptemos às novas e grandes mudanças que estão por vir. Segundo muitos analistas e sociólogos e outras tantas áreas, essas grandes mudanças promovem uma necessidade de se repensarem as próprias instituições e institutos mais tradicionais do Direito. Isso sem dúvida gerará grande dificuldade e resistência, porque o Direito procura sempre soluções tradicionais, menos radicais. Haverá grandes embates e as dificuldades de resposta do Direito se revelam em virtude da tentativa de fazer pequenas alterações e adaptações”, esclareceu.
O professor enfatizou que esse “Direito 4.0” que deverá ser capaz de dar resposta às demandas das tecnologias mais avançadas, não pode ser um Direito de adaptação. E, citando Fábio konder Comparato, lembrou que na década de 1960 ele falava do mal-estar persistente no mundo jurídico diante da evolução da sociedade. “O mundo jurídico é o mundo do tradicionalismo, da permanência, do status quo e não da mudança, muito menos da mudança abrupta e radical. É possível imaginar que teremos significativas dificuldades e os operadores de Direito as enfrentarão no seu dia-a-dia em virtude dessa força da tradição que o Direito carrega consigo”, frisou.
André Tavares explicou o que é a quarta Revolução Industrial ou Revolução 4.0 que originou a expressão “Direito 4.0”, assim como os impactos relacionados às novas tecnologias como a internet das coisas, as impressoras 3D, o blockchain, os sensores digitais, ressaltando que o seu significado é muito mais profundo do que aquele transmitido pela mídia. Ele salientou que com a inércia legislativa a discussão vai direto para o Judiciário. E destacou que os países mais avançados estão se preparando do ponto de vista legislativo e protegendo sua indústria nacional de tecnologia de ponta. “É preciso ter uma engenharia legislativa sábia, atual, consciente e tecnologicamente preparada para poder oferecer alternativas e pensar o futuro”, ponderou. E acrescentou que atualmente vivemos esse capitalismo da alta tecnologia, especialmente um capitalismo das grandes plataformas digitais. “Por isso, podemos falar não de uma era de acesso, mas de uma era dos dados. E a proteção dos dados é apenas um dos elementos que temos de considerar no momento de repensarmos as regras jurídicas e as soluções que o Estado oferecerá para essas novas realidades que se avizinham”, ponderou.
Por fim, lembrou que os grandes desafios do Direito frente às novas tecnologias são muito maiores nos Estados que não têm consciência desses desafios, que não têm consciência do que já ocorreu dentro do seu território e do poder dessas plataformas que operam globalmente com sede fora dos estados. “Essa dificuldade irá crescer cada vez mais até mesmo para se pensar o que está acontecendo. Nessa era dos dados, um aspecto importante é que o País não abra mão dos seus dados, tenha proteção das suas empresas tecnológicas e consiga avançar em determinadas áreas para permitir que sua população possa experimentar esses avanços. E que o Estado tenha mecanismos ou instituições que colham os dados necessários para o desenvolvimento do País, para que esses dados essenciais não estejam apenas na mão de grandes empresas privadas”, concluiu.
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