Estatuto da Pessoa com Deficiência é discutido no curso de Direito Notarial e Registral Imobiliário da EPM em Sorocaba
Nelson Rosenvald foi o expositor.
O tema “Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas relações com o registro civil” foi estudado na aula de hoje (28) do 1º Curso de Direito Notarial e Registral Imobiliário da EPM em Sorocaba, com exposição do procurador de Justiça Nelson Rosenvald e participação dos juízes Alexandre Dartanhan de Mello Guerra, coordenador do curso, e Marcelo Benacchio, coordenador adjunto.
Nelson Rosenvald iniciou a exposição ressaltando a influência da Convenção de Nova York no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) ou Lei Brasileira de Inclusão, como prefere chamar. Ele esclareceu que houve um balanceamento no que diz respeito a cuidado e autonomia. E explicou os quatro sentidos de autonomia: política, econômica, filosófica e como dignidade da pessoa humana como um fim em si mesma.
O palestrante explicou também a diferença entre deficiência e incapacidade. “Deficiência é um fato jurídico, uma condição humana orgânica marcada por uma vulnerabilidade existencial. O objetivo do ordenamento jurídico atual não é corrigir essa pessoa, é aceitar essa condição humana e pesar quando é o momento do cuidado e quando é o momento de se conceder autonomia”, salientou. E acrescentou que, segundo dados empíricos, em termos demográficos, as pessoas com deficiência formam a maior minoria do Brasil, porque 24% da população tem alguma forma de deficiência.
Ele esclareceu que a Lei Brasileira de Inclusão, com base na Convenção de Nova York, fez ponderações entre as ideias de proteção e promoção e de respeito e autonomia e criou três qualificações: a regra geral de que a pessoa com deficiência tem capacidade plena, porque o fato jurídico da deficiência em regra não causa restrição de capacidade; eventualmente a deficiência será qualificada pela tomada de decisão apoiada, mas a pessoa mantém a sua capacidade plena; excepcionalmente a deficiência será qualificada pela curatela.
A respeito da curatela, lembrou que ela não é mais a interdição de outrora, pois recebeu intervenção diversa no ordenamento em três níveis. Em primeiro lugar, a pessoa curatelada não é mais absolutamente incapaz, é relativamente incapaz. Ele explicou que a teoria da incapacidade foi adaptada à Constituição Federal e às convenções internacionais de direitos humanos, conferindo segurança jurídica ao aplicar a regra da proporcionalidade ao Direito Civil. “Não se deve interpretar normas existenciais a partir de regras patrimoniais, mas ao contrário. São as normas econômicas patrimoniais que têm de ser funcionalizadas às situações existenciais. Sobre questões relacionadas à prescrição e à nulidade, dentro do ordenamento podemos criar regras que protejam essas pessoas com muita facilidade”, ressaltou.
Nelson Rosenvald ponderou que o grande erro de uma pessoa curatelada ser absolutamente incapaz é que o ordenamento civil não pode despersonalizar um ser humano a priori. “A partir do momento que alguém é dito absolutamente incapaz essa pessoa é uma não-pessoa. Ou seja, criamos uma curatela ilimitada sem qualquer espaço de autonomia e isso é a mesma coisa que a morte civil que havia em Roma. Um juiz que numa sentença diz que alguém é absolutamente incapaz, neutraliza-a. E o curador passa a ser o alter ego dela, a sua voz, e isso não pode acontecer”, ponderou.
A segunda diferença de tratamento apontada pelo palestrante está relacionada ao critério de concessão de curatela, que não é mais médico, é objetivo. Ele explicou que a pessoa curatelada é aquela sobre quem objetivamente pende uma causa permanente de impossibilidade de autodeterminação, ou seja, tem absoluta impossibilidade de interação social e mesmo superadas as barreiras tecnológicas de adaptação razoável, não consegue superar as limitações. “Atualmente é vedada qualquer qualificação jurídica restrita a um critério médico. O ser humano não é um CID, não pode ser reduzido a uma doença, porque somos muito mais do que isso. Em uma visão holística, um ser humano é titular de afetos, de crenças, de projetos, de direitos fundamentais. Então ele não pode ser visualizado apenas por sua integridade psíquica, tem que ser aferido como uma complexidade, um valor unitário”, ponderou.
Quanto à terceira diferença de tratamento, Nelson Rosenvald esclareceu que a curatela é restrita a aspectos patrimoniais e o curador não será curador sobre questões existenciais. “O Direito Civil, desde a Constituição Federal, fala em funcionalização da família, da propriedade, dos contratos, mas até 2015 tinha se esquecido de funcionalizar o ser humano. E só funcionalizou com o Estatuto da Pessoa com Deficiência que implicitamente disse que uma coisa é personalidade e outra é a capacidade”, salientou.
Ele acrescentou que personalidade atualmente é a aptidão de qualquer pessoa ser humana, titular de direitos da personalidade, a partir da concepção intrauterina. “A personalidade é um valor, um dado que antecede o ordenamento jurídico. O curador não pode ser curador para aspectos relacionados aos direitos da personalidade, à autonomia reprodutiva, à intimidade, às questões de família, porque esses fatos são indelegáveis e o ordenamento jurídico não pode constranger alguém a ser substituído em questões existenciais, porque isso seria uma violação aos seus direitos fundamentais”, ponderou.
O palestrante ressaltou que as regras de capacidade estão no Código Civil e que as questões patrimoniais estão obviamente ligadas à capacidade. E observou que apenas em situações extremas, como pessoa em estado vegetativo persistente, o curador poderia gerir aspectos existenciais. E explicou que essas três novas noções de curatela impactam na aplicação das regras processuais mediante a flexibilização da curatela, a funcionalização da curatela e a personificação do processo de curatela. Por fim, explanou sobre a tomada de decisão apoiada, diferenciando-a da curatela, bem como sobre questões relacionadas aos serviços notariais.
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