Ocupação de áreas de mananciais e beiras de córregos é discutida no Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico

Debateu-se situação dos assentamentos em São Paulo e Belém.

 

O tema “Diálogo entre São Paulo e Belém – ocupação de áreas de mananciais e beiras de córregos” foi debatido na reunião de terça-feira (4) do Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico. O encontro teve exposições do desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho, coordenador da área de Direito Urbanístico e Meio Ambiente da EPM; do juiz Raimundo Rodrigues Santana, do Tribunal de Justiça do Pará, e dos professores Juliano Pamplona Ximenes Ponte e Luciana Nicolau Ferrara, com mediação dos coordenadores do núcleo de estudos, desembargador Carlos Otávio Bandeira Lins e juiz José Eduardo Cordeiro Rocha.

 

Iniciando as exposições, Luciana Ferrara lembrou que as questões ambientais e sociais não são dissociadas e que as classes sociais mais vulneráveis são as mais atingidas pelos efeitos negativos da industrialização e da urbanização, como a poluição e a degradação ambiental. “A noção de desigualdade e justiça socioambiental nos permite trabalhar isso com mais clareza, buscando a questão do direito à cidade e ao meio ambiente de maneira mais consistente, inclusive orientando as políticas públicas”, ponderou. Ela discorreu sobre as áreas de proteção e recuperação de mananciais em São Paulo e sobre as intervenções, principalmente as que têm a drenagem como elemento central da urbanização, bem como sobre os riscos de remoção da população de baixa renda, questões de regularização fundiária e mudanças e impactos da aplicação do Código Florestal e das faixas de preservação permanente.

 

Ela ressaltou que os assentamentos precários, desde favelas a conjuntos habitacionais irregulares e cortiços, expressam desigualdades socioambientais, com déficit de saneamento pela falta de abastecimento de água e coleta de esgoto; construção em áreas impróprias para edificação (fundos de vale, topos de morro, áreas contaminadas, aterros); insuficiência de espaços de circulação, áreas verdes e livres; precariedade habitacional, com problemas de salubridade na moradia; vulnerabilidade e irregularidade, com insegurança da posse e remoções por reintegração de posse; e violação cotidiana de direitos humanos. 

 

A seguir, Juliano Ponte explanou sobre a importância da água como indicador ambiental, enfatizando que, ao estudar o fluxo da água no território urbano e regional, verificam-se os impactos ambientais e o perfil de uso da terra como um todo, o manejo correto ou inadequado da água em relação à questão do lixo, água tratada e esgoto e a relação com a drenagem urbana e o abastecimento de mananciais. Ele falou sobre casos relacionados às áreas inundáveis da região metropolitana de Belém e como a política pública tem tratado essas áreas.

 

“É preciso fazer uma crítica a respeito da distorção cognitiva comunicacional sobre o ambiente urbano. A escassez cognitiva da água constrói uma ideia de que existe obscuridade sobre quem são os grandes consumidores e poluidores de água, como a grande indústria, a agricultura mecanizada de irrigação, a água usada para resfriamento de caldeiras de usinas geradoras de energia termelétricas e nucleares, entre outros. Esses agentes econômicos de grande porte raramente são responsabilizados do ponto de vista quantitativo do volume de água que usam ou que despejam sem tratamento no ambiente, nem mesmo financeiramente, e muito menos do ponto de vista da pauta na mídia no chamado debate público. E há uma construção em relação às condutas individuais, como o tempo do banho ou a lavagem do carro com água tratada. São enunciados performativos que constroem uma espécie de pedagogia, de moralismo a respeito do uso do ambiente”, ponderou Juliano Ponte.

 

Raimundo Santana também discorreu sobre o problema crônico das inundações em Belém do Pará, enfatizando que a posição do Poder Judiciário não é apenas uma questão do ideal e do possível, mas sim do necessário. “Ao buscar a composição das partes envolvidas, tenho de questionar se é possível recuperar a área sem a retirada massiva das pessoas e o que fazer com elas. Tivemos em Belém diversas remoções frustradas, inclusive por demora da conclusão da obra e ocupação por pessoas que não são as beneficiárias, fazendo com que os ocupantes anteriores fiquem recebendo auxílio moradia por mais de cinco anos”, salientou, asseverando que o Judiciário tem de ser incisivo no sentido de minimizar os efeitos das remoções, mas não pode ser um entrave na questão.

 

Por fim, Ricardo Torres de Carvalho relacionou o crescimento da população com o surgimento da legislação ambiental. Ele ressaltou que a população passou de 50 milhões em 1950 para 95 milhões em 1970 e 170 milhões em 2000. Acrescentou que de 1970 a 2000 a população urbana passou de 53 milhões para 137 milhões. Ele lembrou que a primeira lei ambiental de São Paulo foi a Lei nº 997/76, que em 1981 foi editada a Lei nº 6.938 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e que em 1988 foi promulgada a Constituição Federal que trouxe a proteção ambiental a nível constitucional. E recordou que a partir de 1990 os órgãos ambientais foram estruturados e passaram a funcionar com maior fiscalização e mais estudos. “A primeira ação ambiental de que tenho conhecimento no Brasil é uma que envolve uma área de Cubatão em 1986, mas foi a partir de 1990 que essas ações se tornaram mais comuns”, esclareceu.

 

Ele ressaltou que, conforme a curva populacional cresceu, teve início a legislação ambiental. “Tivemos um aumento brutal da população principalmente no nascimento da legislação ambiental, quando os órgãos de proteção e a preocupação ambiental eram incipientes. Quando a estruturação ambiental e urbanística e a mentalidade tornaram-se mais atentas a esses aspectos, essa situação populacional já estava instalada e encontraram uma situação muito difícil de resolver”, salientou.

 

Ricardo Torres de Carvalho lembrou ainda que é sempre mencionado o tripé do desenvolvimento sustentável, formado pela questão social, econômica e ambiental-ecológica. “Observamos que a prevalência de um lado necessariamente sacrifica os outros dois em maior ou menor proporção. Partindo da ideia de que esses sistemas não convivem, o desenvolvimento sustentável não é uma equação de fácil convivência, é de conflito, de opção e de escolhas inteligentes entre todos que participam desse processo. É preciso uma compreensão da população, da administração e das estruturas econômicas”, concluiu.

 

RF (texto) / Reprodução (imagem)


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP