‘Encontros de Direito Público’ tem debate sobre ‘Cidades e conflitos fundiários’
Erminia Maricato foi a expositora.
O tema “Cidades e conflitos fundiários” foi discutido na quarta-feira (2) nos Encontros de Direito Público, com exposição da professora Erminia Maricato. A gravação do evento pode ser acessada no canal da EPM no YouTube.
O debate foi mediado pelo juiz Antônio Augusto Galvão de França, 2º vice-coordenador do Centro de Apoio aos Juízes da Fazenda Pública (Cajufa) e coordenador dos encontros, que agradeceu a participação de todos e ressaltou que o evento é “uma forma de estimular o pensamento crítico, para além do formalismo jurídico”.
Erminia Maricato enfatizou inicialmente a importância do tema, lembrando que os conflitos de terra perpassam as relações de grande parte da sociedade brasileira e afetam a vida de milhões de pessoas. Ela recordou o processo de urbanização no Brasil, destacando que no século XX a população urbana saltou de 10% para 81% e que, de acordo com o Censo do IBGE, em 2017 chegou a aproximadamente 85% do total no País. Acrescentou que entre as décadas de 1940 a 1980, enquanto a população total cresceu 188%, nas cidades houve um aumento de 653%. Salientou também que o País permaneceu 322 anos como colônia de Portugal, 388 anos com pessoas escravizadas e mais de 400 anos com hegemonia agroexportadora, o que significa que o Brasil é predominantemente urbano há menos de 60 anos.
A professora observou que esse processo acelerado de urbanização ocorreu sem políticas públicas e sem acesso ao mercado imobiliário formal. “Sem alternativas, a população ocupa terras desprezadas pelo mercado. Com a falta de controle sobre o uso e ocupação do solo, estamos diante de uma questão estrutural de exclusão”. Ela apresentou gráfico de renda populacional baseado no Censo do IBGE de 2000, que apontou 92% de déficit habitacional, que alcançava a faixa de renda de até cinco salários-mínimos. E explicou que o mercado atendia apenas uma parcela restrita àqueles que ganham a partir de dez salários-mínimos.
Ela ressaltou que a falta de políticas públicas em áreas com ocupação informal contribui para vulnerabilizar ainda mais essas populações. Citou como exemplo bairros construídos em encostas de alto declive, que tem o risco de desmoronamento ampliado pelo acúmulo de lixo nas encostas, diante da impossibilidade de entrada dos caminhões de lixo nas comunidades. E salientou que por conta disso, o lixo acaba nas linhas de drenagem (córregos e rios) e chega ao mar. Concluiu que, embora seja feito de maneira compulsória por pessoas de baixa renda, esse processo de urbanização é insustentável para a saúde das populações e para o meio ambiente.
Para ilustrar, mencionou as represas Billings e Guarapiranga, áreas de proteção dos mananciais (APMs) que possuem Mata Atlântica e são responsáveis pelo abastecimento hídrico da cidade de São Paulo e que estão sendo ocupadas há cerca de cinquenta anos.
A expositora discorreu também sobre a evolução legislativa sobre reforma urbana, destacando a criação da função social da propriedade imóvel urbana, prevista na Constituição Federal de 1988, reforçada pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) e, por determinação constitucional, também pelos planos diretores municipais. Mencionou ainda o Programa Nacional de Regularização Fundiária, criado em 2003, e a Lei 11.124/05, que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e instituiu o Conselho Gestor do FNHIS. Citou ainda a Lei Federal do Saneamento Básico (Lei 11.445/07), entre outros dispositivos legais.
A respeito das medidas a serem adotadas para solucionar a questão de moradia, ressaltou a importância de se ampliar o conhecimento da realidade e implementar a transversalidade do conhecimento. Nesse sentido, destacou trabalho publicado pelo Cajufa sobre risco geotécnico em áreas urbanas, fruto de encontro entre juízes e técnicos, frisando que ele ajudou a impedir o despejo de muitas famílias. Ela mencionou também a Lei de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social – Athis (Lei 11.888/08), que auxilia a implementação e cooperação entre saberes, atribuições e competências, pois permite que o poder público possa contratar técnicos para um trabalho transversal e cooperativo.
LS (texto) / Reprodução (imagem)