Adequação e equidade das decisões judiciais a partir da perspectiva de gênero são discutidas em curso da EPM

Exposição foi ministrada por Lívia de Meira Paiva.

 

O tema “Decisões judiciais: adequação e equidade a partir da perspectiva de gênero” foi debatido na aula de ontem (15) do curso Enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher – avaliação de risco – ferramenta necessária da EPM, com exposição da professora Lívia de Meira Lima Paiva e a participação das juízas integrantes da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp) Teresa Cristina Cabral Santana (vice-coordenadora), Rafaela Caldeira Gonçalves e Danielle Galhano Pereira da Silva, coordenadoras do curso, e Renata Mahalem da Silva Teles. A gravação da aula pode ser acessada no canal da EPM no YouTube.

 

Lívia de Meira embasou sua aula em sua tese de doutorado, que abrangeu 88 processos de feminicídio, todos decisões de 2ª instância, com exceção de habeas corpus, tanto em segredo de justiça quanto públicos, entre 2015 e 2020. Ela apresentou mapa elaborado a partir dos dados coletados, fazendo um vínculo com a perspectiva de gênero e violências. O mapa mostrou três categorias centrais: controle, tentativa de recuperar o controle e descontrole. No primeiro item estão tópicos como violência doméstica prévia e/ou em outros relacionamentos e isolamento da vítima, com a informação de conhecimento prévio de amigos e familiares sobre as brigas em muitos casos. No segundo item estão stalking (perseguição) e ameaças do agressor para dissuadir a vítima, entre elas ameaças suicidas. No item ‘descontrole’, associado diretamente ao feminicídio, aparecem surtos, consumo de álcool e overkill (padrões de excesso de violência, como emprego de várias armas).

 

Ela discutiu o que acontece nos processos de feminicídio antes, durante e depois do crime, com o intuito de promover uma reflexão que transcenda a abordagem incidentalista. “O Direito Penal e os sistemas judiciários são obrigados a responder a incidentes únicos de agressão em uma ‘estrutura de incidentalismo’. Frequentemente tiramos o caráter assimétrico das relações no contexto de violência doméstica e enxergamos aquele contexto como ato praticado e o Direito faz isso. Entraremos em limites quase estruturais do Direito Penal para lidar com isto”. No entanto, ponderou que o ato praticado faz parte de um outro contexto que precisa ser analisado.

 

Com base na teoria feminista do Direito aplicada à violência doméstica, ponderou que por universalizar a vítima, o Direito faz com que ela perca suas características e interseccionalidades, como raça, classe social e orientação sexual. “É preciso personificar essa mulher”, frisou. E destacou a importância de observar o contexto problemático do conflito e sua dimensão estrutural, “entendendo que aqueles dois CPFs que se encontram em conflito participam de uma violência muito mais ampla”.

 

Lívia de Meira ressaltou que a frase “se não for minha, não será de mais ninguém” foi falada pelos autores em nove dos processos analisados. E observou que em países como Austrália e EUA há estudos sobre a temática que mencionam a mesma construção de frase e citou artigo da professora norte-americana Jacquelyn Campbell que utiliza essa frase como título. “É muito simbólico que essa frase seja dita, quase sempre como uma sentença. A partir desse momento, a mulher costuma correr muito risco”, enfatizou, acrescentando que ela consta do Formulário Nacional de Avaliação de Risco.

 

Ela explicou que o medo intenso geralmente continua após a separação, quando alguns deixam de reconhecer os efeitos da violência doméstica e o controle exercido pelos homens sobre as ex-parceiras por meio dos filhos. E salientou que em 88% dos casos analisados em sua tese em que a separação foi motivo do feminicídio, fazia no máximo um mês que os casais haviam se separado.

 

LS (texto) / Reprodução (imagem)


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