Combate ao discurso de ódio é debatido em congresso
Diretor da EPM representou TJSP no evento.
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB SP) e a Confederação Israelita do Brasil (Conib) realizaram ontem (5) o congresso Discurso de ódio e os desafios contemporâneos, que contou com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ministério Público do Estado de São Paulo e Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp). O evento reuniu profissionais do Direito de diversas áreas de atuação para discutir o combate aos discursos e ações que extrapolam a liberdade de expressão e desrespeitam os direitos humanos. A gravação do encontro, que contou com intérprete de Libras, pode ser acessada no canal da OAB SP no YouTube.
A abertura foi feita pelo presidente da OAB SP, Caio Augusto Silva dos Santos, que salientou a alegria em receber representantes de instituições que cumprem papel tão significativo na sociedade. Ele lembrou o momento de dificuldades no mundo, em razão da pandemia e da agudização dos embates ideológicos, e frisou a importância de todos reconhecerem o direito de manifestação, mas colocarem acima dele o respeito recíproco. “Não há mais espaço para o confronto entre o ‘eu’ e ‘eles’. Precisamos identificar o ‘nós’ como algo muito mais valioso do que a individualidade dos confrontos. O ódio, a perseguição e a vingança nos conduzem à barbárie e eventos como esse são oportunidades de atestar nosso compromisso com o não retrocesso. O discurso de ódio há de ser combatido todos os dias, porque a compreensão e a união são o caminho para construção de uma sociedade plural e justa”, ressaltou.
O presidente da Conib, Claudio Lottenberg, também saudou a reunião das instituições, ponderando que a intolerância e o discurso de ódio parecem temas superados, mas não são e devem ser permanentemente lembrados. “Toda vez que alguém ameaçar encaminhar a questão da intolerância ou impedir o contraponto, nós, que somos guardiões do Estado democrático, na condição de cidadãos, devemos estar presentes. E os atores aqui reunidos legitimamente têm a representatividade e a responsabilidade de defender este ideário”, frisou.
O diretor da EPM, desembargador Luis Francisco Aguilar Cortez, representando o TJSP no evento, também ressaltou a atualidade do tema e lembrou que estudos que apontam as crises da democracia destacam a necessidade do diálogo, do respeito e da participação para o controle do exercício do poder, para evitar a supressão das liberdades. “O discurso do ódio é a porta de entrada para a tirania e consequente fim das liberdades, porque pressupõe a eliminação de posições divergentes. Em princípio ataca determinados grupos ou segmentos, o que nem sempre chama a atenção para a sua ameaça, todavia o passo seguinte é impor um discurso único, o controle da sociedade por um grupo. Ele pode inicialmente seduzir setores insatisfeitos, mas é essencialmente destrutivo e vazio de conteúdo. Essa situação exige de todos nós, instituições públicas e privadas e sociedade civil, a união e o esforço conjunto para manutenção do sistema de liberdades, tão arduamente conquistado, e o seu aperfeiçoamento e todos que participam desse congresso dão um passo nesse sentido”, concluiu.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Luiz Sarrubbo, recordou que a Constituição Federal de 1988 consagra o Brasil como um Estado democrático de Direito, por meio de um princípio que rege a Constituição, que é a dignidade humana, e a busca por uma sociedade livre, fraterna, justa e solidária. “A democracia muitas vezes traz algumas distorções e algumas dores e vivemos uma dor intensa dessa democracia no mundo e em especial no Brasil, contra a qual devemos lutar, mas para manter o espírito da Constituição, é preciso que as instituições e a sociedade não se acovardem, se manifestem e não admitam flertes com o autoritarismo, ataques ao sistema democrático e aos sistemas de Justiça e eleitoral. Daí a importância desse evento, porque o discurso de ódio virou uma praxe e essa é uma oportunidade para discutirmos maneiras de extirpar esse mal da sociedade brasileira”, asseverou.
O presidente da Fisesp, Luiz Kignel, salientou que as instituições brasileiras estão atentas e juntas na defesa da liberdade de expressão, mas que o discurso de ódio não deve ser tolerado em hipótese alguma e em nenhum nível, porque, embora algumas vezes ele pareça poupar um para agredir outros, é o início de uma permissividade que não se pode admitir. “A parceria entre as instituições é fundamental para discutir essa realidade nova, que infelizmente muitos ainda não conhecem”, frisou.
Debates
O painel inicial, “Caso Ellwanger”, foi conduzido pelo desembargador Luis Francisco Cortez, que recordou que o caso se refere ao processo contra um editor gaúcho de obra revisionista e negacionista do holocausto, acusado de prática de racismo, que chegou ao Supremo Tribunal Federal. O tema foi debatido pelo professor Celso Lafer, que atuou no julgamento do caso como parecerista; pelo ministro aposentado Nelson Azevedo Jobim, ex-presidente do STF, que também atuou no caso; pelo presidente da Fisesp, Luiz Kignel e pela advogada Milena Gordon Baker.
Na sequência, foi discutido o tema “Construção do conceito jurídico do discurso de ódio no Brasil”, com moderação da promotora de Justiça Maria Fernanda Balsalobre Pinto, diretora do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi) do MPSP. Participaram como expositores a juíza Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes, coordenadora do Setor de Atendimento de Crimes da Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs) do TJSP; a vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Rio de Janeiro (Abracrim/RJ), Maíra Costa Fernandes; e os pesquisadores do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Fundação Getúlio Vargas - Direito SP Fabrício Vasconcelos Gomes e João Pedro Favaretto Salvador.
O evento teve continuidade à tarde com o painel “Discurso de ódio na internet”, conduzido pelo secretário da Conib, Rony Vainzof, que teve exposições da diretora de Assuntos Latino-Americanos da Anti-Defamation League (ADL), Liat Altman; da promotora de Justiça Maria Fernanda Balsalobre Pinto; do procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, coordenador do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial do Ministério Público Federal; e do coordenador do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Sexualidade da Comissão de Diversidade Sexual da OAB SP, Lucas Bulgarelli Ferreira.
O último painel foi dedicado ao tema “Fake news e discurso de ódio”. O debate foi mediado pelo advogado Carlos Frederico Barbosa Bentivegna, representando a Comissão de Direitos Humanos da OAB SP, e teve como expositores o juiz formador da EPM Fernando Henrique de Oliveira Biolcati; o
presidente da SaferNet Brasil, Thiago Tavares Nunes de Oliveira; e a advogada Clarita Costa Maia, consultora legislativa do Senado Federal. O encerramento do evento foi feito pelo advogado Daniel Leon Bialski, vice-presidente da Conib.
Participaram também do congresso a juíza Camila de Jesus Mello Gonçalves, assessora da Presidência de Direito Criminal do TJSP e coordenadora da área de Direitos Fundamentais da EPM; o conselheiro seccional e presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP, Carlos Fernando de Faria Kauffmann; o presidente da Comissão Especial de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB SP, Oreste Nestor de Souza Laspro; a presidente da Comissão dos Direitos dos Imigrantes e Refugiados da OAB SP, Carla Herminia Mustafa Barbosa Ferreira; a secretária-geral adjunta da OAB SP, Margarete de Cássia Lopes; o secretário-geral da Conib, Júlio Kahan Mandel; o diretor-geral da Conib, Sergio Napchan; e a diretora voluntária da Conib, Andrea Vainer; entre outros profissionais.
MA (texto) / Reprodução (imagens)