Políticas judiciárias em gênero e enfrentamento à violência contra as mulheres são debatidas em workshop internacional
Evento é realizado pela EPM, Comesp e IEA.
Com o tema “Gênero, Poder Judiciário e acesso à justiça para mulheres: um balanço sobre as agendas de pesquisa no Brasil e em outros países”, teve início ontem (31) o workshop internacional Políticas judiciárias em gênero e enfrentamento à violência contra as mulheres: avanços e desafios, promovido pela EPM, em parceria com a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp) e o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo. As exposições foram ministradas pelas professoras Ulrike Schultz, Maria da Glória Bonelli e Gislene Aparecida Santos, com mediação da desembargadora Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida, coordenadora da Comesp.
A abertura dos trabalhos foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Luis Francisco Aguilar Cortez, que agradeceu a participação de todos, em especial das palestrantes, e o trabalho das entidades parceiras. “A Escola oferece o suporte para a Comesp e tem sido uma constante a participação de suas integrantes em eventos dessa envergadura, que nos deixam honrados pela oportunidade de ouvir e enfrentar uma temática tão importante, que durante muito tempo foi esquecida”, ressaltou.
A juíza Teresa Cristina Cabral Santana, vice-coordenadora da Comesp e coordenadora do evento, também agradeceu à direção da Escola pela parceria e às palestrantes. “A ideia é discutir a política pública com expoentes da defesa de questões de gênero no Brasil e internacionalmente e a partir dessa avaliação pensar em como podemos proporcionar o enfrentamento da violência de gênero em nosso país”, frisou.
A professora Fabiana Cristina Severi, também coordenadora do evento, também agradeceu a participação de todos e ressaltou que o evento é fruto de anos de parceria acadêmica entre a Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto e o Tribunal de Justiça de São Paulo, particularmente a Comesp. e que a ideia é compartilhar com o Poder Judiciário e com a sociedade os resultados de estudos nacionais e estrangeiros sobre políticas judiciárias de gênero e de combate à violência contra as mulheres.
Iniciando as exposições, Ulrike Schultz, professora aposentada da FernUniversität Hagen (Alemanha), apresentou uma perspectiva internacional sobre o acesso das mulheres à magistratura. Ela recordou que a história das mulheres no Judiciário é curta, porque só começou quando tiveram acesso aos direitos civis, mas observou que geralmente nos países em que as mulheres entraram mais tarde no Judiciário, tornaram-se maioria. Lembrou que as diferenças entre os sistemas de Justiça (Common Law e Civil Law), estrutura do sistema de Justiça, legislação e outras especificidades de cada país influenciam no grau desse acesso, no prestígio e nos salários e em como o Judiciário feminino é visto pela sociedade, mas há aspectos em comum. Em relação à Alemanha, informou que as juízas passaram de 6% do total de magistrados em 1970 para 50% atualmente, mas ainda há várias diferenças em relação ao gênero, principalmente organizacionais, pois os dirigentes dos tribunais em sua maioria são homens (apenas 10 a 25% de mulheres em posições de liderança nas cortes regionais), as juízas trabalham menos do que os juízes, têm menos visibilidade e há impedimentos como a distribuição do tempo entre família e trabalho, menor mobilidade entre os distritos e menos conexões, confiança em sua competência e sucesso, ponderando que em muitos lugares ainda há uma “barreira de estereótipo” que impede a ascensão das mulheres na carreira.
Ulrike Schultz discutiu também aspectos como as possíveis diferenças na tomada de decisões entre os gêneros, ponderando que as mulheres geralmente têm uma abordagem mais interdisciplinar, são mais sensíveis em relação às necessidades das mulheres, mais engajadas em soluções consensuais como a mediação e apresentam maior empatia, especialmente em casos de danos, discriminação e assédio sexual e racial, entre outros. Destacou também as principais e questões de gênero da atualidade, entre elas, guarda de crianças, direitos no casamento entre pessoas do mesmo sexo, posição jurídica de transexuais e intersexuais, benefícios sociais para parceiros não casados, interpretação de stalking e violência sexual e doméstica. Por fim, ressaltou a importância da diversidade e da participação igualitária na sociedade, inerente à democracia, e da conscientização sobre essas questões por meio de abordagem dos aspectos de gênero na formação jurídica e nas capacitações e programas do Judiciário, lembrando que “os estereótipos são duradouros”.
Na sequência, a professora Maria da Glória Bonelli, docente de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos discorreu sobre questões relacionadas a magistratura, gênero e diferença, com base no último levantamento do Conselho Nacional de Justiça sobre a carreira, para discutir se há equidade nas carreiras jurídicas, obstáculos para a progressão de mulheres e negros e estratificação por generificação e racialização. Ela apresentou dados sobre composição e progressão das carreiras jurídicas, em especial a magistratura, destacando que, embora a trajetória da carreira seja estruturada e a progressão padronizada, as posições de poder são mais ocupadas por homens brancos. Acrescentou que isso é acentuado nos tribunais que têm mais autonomia e recursos, informando que a Justiça do Trabalho é a mais feminina, enquanto a Estadual é a mais masculinizada. E concluiu enfatizando que as questões de gênero e racialização não são restritas às mulheres e aos negros e devem ser discutidas por toda a sociedade.
A professora Gislene Aparecida Santos, docente das disciplinas Gestão de Políticas Públicas e Direitos Humanos na USP e coordenadora do grupo de pesquisa nPeriferias, do IEA, apresentou conclusões de duas pesquisas, uma realizada entre 2012 e 2014 a partir de ações do TJSP referentes a ofensas raciais praticadas por mulheres contra mulheres e outra sobre estratégias construídas por mulheres negras para o enfrentamento da discriminação por raça e gênero no Brasil e no Canadá, comparando aspectos como a classificação por etnia, raça e condição social e as políticas públicas nos dois países. Nesse contexto, ressaltou a importância do avanço de pesquisas que considerem a interseccionalidade e a interdisciplinaridade para ampliar o alcance e a diversidade de legislações protetivas das mulheres e das políticas públicas de gênero.
MA (texto) / Reprodução (imagens)