Curso ‘Sistema interamericano de direitos humanos e gênero’ debate enfrentamento da violência doméstica e desafios protetivos da mulher negra
Mariângela Gomes e Isadora da Silva foram as expositoras.
Teve sequência na sexta-feira (24) o curso Sistema interamericano de direitos humanos e gênero – um olhar para o Poder Judiciário brasileiro, promovido pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região (Emag), em parceria com a EPM e com as faculdades de Direito do Largo São Francisco e de Ribeirão Preto da USP, com o apoio da rede acadêmica da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Iniciando as exposições, a professora Mariângela Gama de Magalhães Gomes explanou sobre o tema “Mulher e violência doméstica: parâmetros interamericanos”. Ela explicou os conceitos de violência doméstica e de violência contra a mulher baseada no gênero e falou sobre as obrigações assumidas pelos Estados-membros para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, como a adoção progressiva de medidas específicas para modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, a fim de combater preconceitos, costumes e práticas baseadas na premissa de inferioridade ou superioridade de um dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher. Ela apresentou diversos casos de violação institucional contra as mulheres em países latino-americanos, bem como o caso Maria da Penha no Brasil, demonstrando a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em face dessas violações dos Estados-membros, especialmente por não agirem com o devido zelo para prevenir, investigar e punir os atos de violência contra a mulher.
A desembargadora Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida, coordenadora da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp), participou como debatedora. Ela apresentou reflexões sobre a necessidade de maior preparo institucional para o acolhimento das vítimas de violência doméstica. Destacou a questão da prova e ressaltou que deve ser acolhida a palavra da vítima, observando o contexto. “Deveria ser dada mais importância para essa matéria na faculdade, para que se discutisse e levasse ao conhecimento das pessoas o assunto. Muitas providências foram tomadas e foram medidas muito produtivas, mas esse processo é muito lento”, ponderou.
Na sequência, a professora Isadora Brandão Araújo da Silva discorreu sobre os desafios protetivos da mulher negra, expondo caráter complexo da violência que afeta as mulheres negras. “É preciso pensar na dimensão preventiva, educacional e na promoção da diversidade, mas também em mecanismos de responsabilidade, responsividade, accountability das instituições do sistema de Justiça, porque não dá para essas instituições agirem como agem na perpetuação do racismo, fenômeno que afeta drasticamente vidas, e nada acontecer”, ponderou. Ela apresentou um panorama da situação das mulheres negras no Brasil e das principais sistemáticas de violação que as afetam. Apresentou caso analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a respeito das dinâmicas de reprodução do racismo, sobretudo do racismo institucional no Brasil, apontando-o como empecilho à realização dos direitos humanos das mulheres negras.
Por fim, a desembargadora federal Daldice Santana apresentou reflexões sobre as legislações protetivas internas. “É bom ter o olhar voltado para o interno e o externo porque a jurisprudência que tem mais conteúdo é a externa”, frisou. Ela recordou a trajetória de violência sofrida pelas mulheres negras ao longo da história, com aspectos que remetem à construção do país baseada no machismo e no sexismo, pilares da sociedade patriarcal. “Para superarmos esse desequilíbrio, precisamos ter instrumentos para promover a diversidade, novas narrativas, argumentos e olhares e a educação. As instituições devem agir para promover a educação e a eficácia das leis”, salientou.
Ela ponderou que se as pessoas conhecerem o contexto histórico e atual poderão contribuir para o empoderamento das pessoas negras e consequentemente para o exercício dos demais direitos. E destacou que uma das dívidas que o Brasil mantém com a população negra é não reconhecer na história que foram os negros que trouxeram e ensinaram aos portugueses técnicas essenciais para o desenvolvimento necessário na época no campo da mineração, metalurgia, tecelagem, mergulho, criação intensiva de gado, curtição de couro e produção de artefatos. “A noção tradicional transmitida de geração a geração é a de que os escravos que chegavam nos navios eram selvagens e incapazes de exercer as funções necessárias, quando na verdade foram os responsáveis por uma imensa transferência de tecnologia para cá”, ressaltou.
O evento teve a participação da diretora da Emag, desembargadora federal Therezinha Astolphi Cazerta; da professora Paula Monteiro Danese, integrante da coordenação do curso; da professora Sanny Hosney Mahmoud Mohamed, que mediou os debates.
RF (texto) / Reprodução (imagens)