Exceção do contrato não cumprido é discutida no curso de Direito Civil Patrimonial
Ricardo Dal Pizzol foi o expositor.
O tema “Exceção do contrato não cumprido: causa, boa-fé e sinalagma” foi estudado na aula de ontem (30) do 2º Curso de especialização em Direito Civil Patrimonial da EPM, com exposição do juiz Ricardo Dal Pizzol e a participação do juiz Enéas Costa Garcia, coordenador do curso, e do desembargador Roque Antonio Mesquita de Oliveira, professor assistente.
Ricardo Dal Pizzol salientou inicialmente que a essência do instituto da exceção do contrato não cumprido é a ideia de que um dos contratantes não pode exigir aquilo que tem direito conforme o contrato se ainda não cumpriu aquilo que lhe compete. É o direito de o comprador se recusar a entregar o preço enquanto a coisa não for entregue ou de o locatário não pagar o aluguel da coisa se a posse não lhe foi transferida, por exemplo. “O instituto da exceção do contrato não cumprido esconde uma profundidade enorme, porque interage com três vetores, que são o sinalagma ou reciprocidade, a causa do contrato e a boa-fé objetiva, assim como tem pontos de contato com diversos institutos do Direito Civil, como prescrição, adimplemento substancial, coligação contratual, suppressio e surrectio e venire contra factum proprium”, ressaltou.
Ele explicou que o fundamento do remédio da exceção de contrato não cumprido é o sinalagma, que é a reciprocidade, a troca de prestações, a relação de interdependência que existe entre as prestações tipicamente nos contratos bilaterais, como a compra e venda, a locação, o seguro, o transporte, em que há uma troca de prestações entre as partes e o sinalagma é o nexo de interdependência que une essas obrigações principais desses contratos. Ele enfatizou que o sinalagma une, por exemplo, a obrigação do comprador pagar o preço à obrigação do vendedor entregar a coisa, do segurado pagar o prêmio e da seguradora pagar a indenização, em caso de sinistro. “Não são apenas os contratos bilaterais que possuem esse nexo de interdependência, outras relações também possuem sinalagma e por isso admitem a exceção de contrato não cumprido”, observou.
O expositor esclareceu que essa relação de interdependência dos contratos sinalagmáticos, essa reciprocidade, não existe apenas no momento da formação do contrato quando se chama de sinalagma genético. Os seus efeitos se espraiam ao longo da relação contratual, ao que se dá o nome de sinalagma funcional. Ele salientou que a exceção de contrato não cumprido é o corolário, uma consequência prática do fato desse sinalagma funcional perdurar durante toda a vida do contrato. “O sinalagma genético é o que explica a possibilidade de o contrato ser anulado por lesão quando há uma desproporção desde a origem do contrato. Já o sinalagma funcional é o que explica os remédios sinalagmáticos por natureza, como a possibilidade da resolução ou da revisão do contrato por onerosidade excessiva, por inadimplemento e da oposição da exceção do contrato não cumprido”, esclareceu.
Ele lembrou aspectos históricos relacionados à origem do instituto e ao avanço do reconhecimento dessa reciprocidade e interdependência entre as obrigações dos contratos bilaterais. “Quando não se enxergava essa interdependência não havia como se reconhecer o instituto da exceção do contrato não cumprido, o qual avançou à medida que o sinalagma foi sendo enxergado e reconhecido”, analisou e discorreu sobre essa evolução até chegar à regra geral definida no artigo 476 do Código Civil de 2002, que expressa que “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Ele destacou que a exceção do contrato não cumprido se restringe a isso no código e é com isso que se teria de resolver todos os problemas.
Ricardo Dal Pizzol concluiu que a disciplina do CC de 2002 é insuficiente e por isso há a necessidade de se revisitar as bases do instituto, que são o sinalagma, a causa do contrato e a boa-fé. “O sinalagma é o coração da exceção do contrato não cumprido, secundado pela causa concreta do negócio e, em terceiro plano de importância, a boa-fé objetiva”, ressaltou. “A realidade nunca se apresenta de forma líquida. Os casos que aparecem para serem resolvidos no Poder do Judiciário ou no âmbito da arbitragem são muito mais complexos do que qualquer solução que se possa extrair do artigo 476 do CC de 2002, que é extremamente lacônico”, ponderou e destacou que o Código Civil alemão tem cerca de 20 artigos sobre a exceção do contrato não cumprido. Ele dissertou sobre os três vetores citados e sobre a natureza, as características e classificações de exceção material ou de exceção substancial, analisou a redação do artigo 476 do CC de 2002 e apresentou jurisprudência.
RF (texto) / Reprodução (imagem)