Mediação nos conflitos da pessoa com deficiência é estudada no curso de Métodos alternativos de solução de conflitos
Silvia Luisa Servos Tabacow Hidal foi a expositora.
A aula de ontem (18) do 2º Curso de especialização em Métodos alternativos de solução de conflitos da EPM foi dedicada ao tema “Mediação nos conflitos da pessoa com deficiência”, com exposição da professora e mediadora Silvia Luisa Servos Tabacow Hidal, coordenadora do Projeto para pessoas idosas e pessoas com deficiência que possam estar em situação de risco do Núcleo de Incentivo em Práticas Autocompositivas (Nuipa) do Ministério Público de São Paulo. O evento teve a participação da juíza Claudia Maria Chamorro Reberte Campaña, professora assistente do curso.
Silvia Hidal ressaltou inicialmente a importância de fazer a autodescrição nas mediações com pessoas com deficiência visual e lembrou que entre os objetivos do mediador estão conhecer e romper pré-conceitos, se colocar no lugar do outro e refletir sobre o próprio julgamento. Destacou ainda que ao fazer mediações com pessoas com deficiência é importante deixá-las dizer de que tipo de auxílio precisam, ao invés de tentar deduzir, pois assim é respeitada a autonomia de cada indivíduo.
Ela fez uma retrospectiva histórica, lembrando que desde o Egito Antigo havia representações de pessoas com deficiência nos papiros. Recordou que durante o Império Romano existia um ideal de corpo perfeito, relacionado ao papel que homens desempenhavam nas guerras, onde a força física tinha destaque, o que ocasionou que recém-nascidos com deficiência eram assassinados. Ela elucidou que entre os séculos XIV e XVIII as pessoas com deficiência eram consideradas bruxas ou até maus espíritos. E lembrou que durante a Segunda Guerra Mundial a ideia de eugenia foi difundida não apenas na Alemanha nazista, levando ao genocídio de judeus, negros, ciganos e homossexuais, entre outros grupos, além dos deficientes, mas também em países como os Estados Unidos.
A expositora mencionou a Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei nº 13.146/15) para lembrar que o poder público deve capacitar aqueles que atuam no Poder Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria Pública, nos órgãos de segurança pública e no sistema penitenciário quanto aos direitos da pessoa com deficiência.
Em relação ao amparo legal, mencionou a Lei 11.126/05, que trata do direito da pessoa com deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhada de cão-guia, e citou o Decreto 5.904/06, que regulamenta essa lei. Destacou também a Lei 12.764/12, que instituiu a Política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista (TEA), o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/03) e o artigo 3º da Lei 13.466/17, sobre a preferência para pessoas com mais de 80 anos, ressaltando que existem muitos atendimentos na mediação de pessoas idosas e com deficiência.
Silvia Hidal observou que o pedido de interdição é frequente nas mediações com pessoas com deficiência e explicou a diferença entre interdição, tutela, curatela e tomada de decisão apoiada. Esclareceu que a curatela, presente na LBI, abrange a proteção para todos que possuem maioridade civil, afetando tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. “A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”, explicou.
Ela salientou que de acordo com o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, 24% da população brasileira apresentava algum tipo de deficiência, o que correspondia a 45,6 milhões. “Se aplicarmos esse percentual em 2021, com a população de 213,64 milhões, estamos falando de 51,27 milhões de pessoas”, ressaltou, lembrando que os dados foram coletados por meio da autodeclaração dos entrevistados.
A palestrante acrescentou que a partir de sugestões do Grupo de Washington (GW), vinculado à Comissão de Estatística da ONU, e considerando os dados coletados em 2010, o IBGE mudou a forma de interpretá-los, elaborando um novo indicador. Para isso foram incluídas perguntas sobre grau de dificuldade em domínios funcionais centrais para participação na vida em sociedade, como andar a pé, enxergar, ouvir e se comunicar. Ela observou que na margem de corte anterior foi considerado quem respondeu ter “alguma dificuldade” em pelo menos um dos quesitos, enquanto a proposta atual é agrupar apenas as pessoas que têm “muita dificuldade” ou “não conseguem de modo algum”. E acrescentou que com a nova interpretação o IBGE aponta que 6,7% da população tem alguma deficiência, o que equivale a 14,3 milhões de pessoas. “Considerando ambas as abordagens interpretativas, podemos considerar que o número de pessoas com deficiência no Brasil está entre 14,3 e 51,2 milhões”, concluiu.
Silvia Hidal discorreu também sobre acessibilidade, enfatizando que precisam ser eliminados barreiras, obstáculos, atitudes ou comportamentos que limitem ou impeçam a participação social da pessoa, bem como gozo, fruição e exercício de seus direitos à liberdade de movimento e de expressão, comunicação, acesso à informação, compreensão e circulação com segurança, entre outros direitos. “Caso as barreiras não possam ser retiradas, é sugerido remarcar ou transferir a mediação para um lugar acessível”, salientou. Ela mencionou também casos vivenciados, partes e conflitos específicos e o que fazer em situações de risco e listou os cuidados para lidar com cada deficiência, de maneira a deixar o ambiente acessível, entre outras questões. “A qualidade de vida depende da acessibilidade e todos nós podemos estar, momentaneamente ou não, em situação de necessidades especiais”, concluiu.
LS (texto) / Reprodução (imagem)