União de fato é discutida no encerramento do curso ‘União estável no cenário brasileiro e internacional’
Tema foi debatido por especialistas nacionais e estrangeiros.
Com debates sobre o tema “A união de fato no cenário brasileiro e internacional – comparação com o Direito de países de mesmos costumes”, foi concluído ontem (3) o curso União estável no cenário brasileiro e internacional da EPM, com exposições da professora argentina Alicia Garcia de Solavagione, do professor português André Dias Pereira, do juiz do TJDFT Atalá Correia e da professora Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas).
Alicia de Solavagione iniciou as exposições esclarecendo que na Argentina o Código Civil define como união de convivência a união afetiva, de caráter monogâmico, pública, notória e estável, que se prolonga por mais de dois anos, de duas pessoas que compartilham um projeto de vida em comum, incluindo os pares de mesmo sexo. Ela explicou que para ter efeitos jurídicos ambos devem ser maiores de idade e sem impedimento matrimonial. Esclareceu que os requisitos e formalidades são mais exigentes do que para o matrimônio, no qual não é necessário prova de afetividade, fidelidade, estabilidade e permanência. E acrescentou que há dois tipos de uniões de convivência: com ou sem averbação no registro civil, sendo que as não registradas têm pouquíssimos efeitos jurídicos.
A professora explicou que o registro da união requer um pacto de convivência no qual se estabelecem, dentro do âmbito da autonomia da vontade, portanto do Direito Privado, questões patrimoniais, o modo de extinção da união, o dever de assistência, tudo é previamente regulado pelas partes e não há confusão com o matrimônio, que é de ordem pública. Ela esclareceu que outro efeito da convivência é que ambos são responsáveis solidários na obrigação de pagar as dívidas que o convivente contrair em favor da família. E explicou que estado de família e o direito à seguridade social é adquirido somente com o registro, sem o qual não se estabelece sequer parentesco por afinidade. Acrescentou que não há direito sucessório entre os conviventes e a morte de um extingue todos os efeitos do pacto realizado, com exceção do direito real de habitação, que não excede o prazo de dois anos.
A seguir, André Pereira explanou sobre o tratamento da união de fato em Portugal, salientando que para configurá-la é preciso que as pessoas vivam em comunhão de leito, de mesa e de habitação pelo prazo mínimo de dois anos, como se fossem casadas. Ele explicou que não constituem união de fato o namoro, relações sexuais fortuitas e o concubinato, que, por mais duradouro que seja, não acompanha a união de habitação. E enfatizou que, como no casamento, é preciso haver caráter monogâmico. Ele esclareceu ainda que uma pessoa casada, mesmo que separada de fato, não pode ter união de fato e isso não é reconhecido no Judiciário português. E acrescentou que no Direito português não há registro obrigatório, ou seja, quando há problemas as pessoas tentam provar no Judiciário que há união de fato há mais de dois anos e a prova precisa ser bem trabalhada.
O professor esclareceu que na constância da união de fato há presunção de paternidade e há direito de alimentos apenas em caso de morte do companheiro, os quais devem ser pagos pela herança. Ele mencionou os benefícios concedidos à união estável, como o direito de gozar férias simultaneamente com o companheiro, licença para cuidar do companheiro, em caso de necessidade, efeitos tributários na declaração de renda, subsídio por morte e outras pensões da previdência social, bem como direito de habitação por cinco ou dez anos, em caso de morte ou separação, desde que se pague uma renda ao companheiro proprietário. Ele explicou que não é possível adotar o nome do companheiro, porém permite-se a aquisição da nacionalidade. E que o companheiro não é herdeiro e não recebe outros direitos importantes, embora no dia a dia as pessoas não sintam muita diferença. Ele salientou que por isso existe a ilusão de que há proximidade entre os dois institutos, embora sejam muito diferentes.
Na sequência, Atalá Correia explanou sobre a união estável no Direito brasileiro, salientando que se há famílias de fato que precisam ser reconhecidas o instituto da união estável não pode abandonar o conceito de família. Ele destacou que em todos os países pesquisados a união estável se parece com o casamento, ou seja, citando a tradição romana, existe onde há uma relação de cama afetuosa, de mesa e de habitação. Ele recordou a narrativa histórica do Brasil e de outros países da América do Sul nos quais não existia uma cultura de casamento entre os indígenas e onde as famílias passaram a ser constituídas fora das formalidades religiosas então estabelecidas. Acrescentou que nesses países havia relações de fato sem proteção e tornou-se necessário regularizá-las, pois alguns homens, após se relacionarem com as mulheres e terem filhos, simplesmente as deixavam sem qualquer proteção após anos de convivência. Ele enfatizou que a preocupação do legislador na Constituição Federal de 1988 foi proteger a mulher e favorecer a conversão da união estável em casamento, mas a lei e a jurisprudência avançaram no sentido de quase equipará-la ao casamento.
Ele constatou que todos os países pesquisados (Angola, Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, Peru, Portugal, Uruguai e Paraguai) regulamentam a união estável, nenhum a proíbe ou pune, muitos não a aplicam para uniões homoafetivas e todos têm requisitos bem delimitados para o seu reconhecimento com tempo mínimo de convivência, como dois anos em Portugal, ou, quando não tem o tempo mínimo, como no Chile, é obrigatório fazer um acordo de convivência no cartório para adquirir os seus efeitos. Ele ressaltou que apenas no Brasil não há assinatura de um acordo ou o requisito de um tempo mínimo de convivência e que é o único país que dispensa essas formalidades e quase equipara a união estável ao casamento. Salientou ainda que há situações de casais morando em residências diversas com união estável reconhecida. E concluiu que o modelo brasileiro é frouxo nos seus requisitos, mas amplo nas consequências que atribui à união estável.
Por fim, Regina Beatriz da Silva fez um comparativo do tratamento da união estável com os demais países e destacou a incongruência do sistema brasileiro em que o instituto, como relação meramente fática, não tem prazo mínimo de duração nem unicidade domiciliar e ainda assim recebe efeitos máximos equiparados aos do casamento. Ela recordou a evolução legislativa da união estável no Brasil e explanou sobre as interpretações da jurisprudência, bem como sobre as súmulas 380 e 382, ultrapassadas diante da diferença do contexto social e do ordenamento jurídico que exigia outros requisitos para a constituição da união estável. Ela destacou o trabalho da Adfas nos últimos anos intervindo como “amicus curie” em diversos julgados, inclusive com repercussão geral, no sentido de impedir o reconhecimento e o registro da poligamia em escrituras públicas, bem como o reconhecimento de união estável em relação adulterina. Explanou também sobre a extinção da união estável por causa de separação e por morte. E ressaltou que há excesso de demandas de reconhecimento e dissolução de uniões estáveis no Brasil, bem como que o ordenamento jurídico cria insegurança jurídica que afeta, inclusive, as relações de namoro.
O evento teve a participação dos desembargadores
Luis Francisco Aguilar Cortez, diretor da EPM; e Maria Cristina Zucchi, coordenadora do curso; e da professora Verônica Cezar-Ferreira, palestrante do curso, entre outros magistrados, servidores e outros profissionais.
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