Ministra Fátima Nancy Andrighi discorre sobre conciliação na EPM

No dia 23 de agosto, a ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, proferiu a palestra “A conciliação no Direito positivo brasileiro”, na EPM. A aula fez parte do módulo “Conciliação”, do “1º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em “Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (Conciliação e Mediação) e aplicação no Direito do Consumidor”.

O evento foi prestigiado pelos desembargadores Pedro Luiz Ricardo Gagliardi, diretor da EPM; Luiz Edmundo Marrey Uint, secretário-geral e tesoureiro; Armando Sérgio Prado de Toledo, vice-diretor da EPM; e Antonio Rulli Junior, coordenador dos cursos de educação a distância; pelos juízes Alexandre David Malfatti, coordenador do curso e responsável pela área de Direito do Consumidor da EPM, e Maria Lúcia Ribeiro de Castro Pizzotti Mendes, professora assistente do curso e coordenadora da Área de Métodos Alternativos de Solução de Conflitos da EPM; e pela advogada Paula Thereza Potenza Fortes Muniz, professora assistente do curso e coordenadora adjunta da área de Formas Alternativas de Solução de Lides. 

Inicialmente, a ministra salientou que há muito se observa que o “Império da Lei” tem se revelado incapaz de proteger todos os direitos velados ao cidadão: “Modernizar a legislação é uma das condições necessárias para se alcançar a paz social. Todavia, as dificuldades enfrentadas pelos legisladores não podem ser justificativa para que um juiz deixe de julgar a causa, omitindo-se na sua tarefa de oferecer a melhor prestação jurisdicional”. 

Ela ressaltou que o mundo contemporâneo exige um juiz que preste a jurisdição com responsabilidade social – tendo a noção exata das consequências de sua decisão – e que trabalhe na função jurisdicional preventiva e restaurativa. “É preciso haver uma reforma íntima, que proporcione uma nova mentalidade e dê uma visão ampliada da responsabilidade”, frisou. 

Nesse sentido, observou que já está havendo uma tomada de consciência coletiva em favor da necessidade de que o Estado organize não só um Poder Judiciário, mas um serviço de justiça. “Para isso, é preciso que se acolham novas funções, permeadas de multidisciplinariedade, de forma a se atender às necessidades trazidas pelos novos problemas e eliminar a ‘surdez’ do Estado”, afirmou, ponderando que não há mais espaço para o juiz que simplesmente aplica, friamente, a lei. “Hoje, se exige do juiz um comportamento de administrador, de gestor, mas, sobretudo, de conciliador, plenamente consciente da dimensão sociológica de suas decisões, sempre buscando uma solução essencialmente humana e solidária”, complementou. 

A ministra ponderou que o processo adversarial sempre separa, enquanto que a busca da solução consensual do litígio aproxima e até preserva e fortalece as relações havidas antes do conflito, propiciando o que mais se quer para a paz social: a continuidade das relações. “Apreende-se que a opção pela conciliação é que resultará numa verdadeira justiça, porque é sempre fruto do respeito pela diversidade, no lugar da adversidade, e encaminhará e aproximará os envolvidos na tão sonhada paz social”, ressaltou. 

Ela enfatizou, também, o papel educativo da conciliação, porque, além de conscientizar a parte da sua própria situação, faz com que ela possa compreender o outro, seus valores, desejos e necessidades. “Assim, podemos encontrar soluções que envolvam respeito e aceitação mútua, compatibilizando interesses e gerando afinidades”. 

Lembrou, ainda, que o tempo da audiência de conciliação é o das partes, porque o conciliador tem que ouvir o desabafo delas. “Ser conciliador é exercitar a paciência de ouvir”, frisou, acrescentando que os prazos processuais jamais correspondem aos prazos emocionais: “O tempo para se alcançar a cura ou o tratamento das dores da alma é contado de maneira muito distinta daquele fixado pelos códigos de processo”. 

A ministra ponderou que, na estatística processual, cada acordo que o juiz obtivesse deveria valer por duas sentenças, porque, depois de uma conciliação, há, efetivamente, uma solução e não um processo. “O juiz, excepcionalmente, pode ser conciliador, mas precisamos ter um profissional que seja o conciliador”, afirmou. 

Nesse contexto, revelou seu sentimento em relação às decisões proferidas e a sensação ao obter um acordo: “Após mais de 35 anos de dedicação à magistratura, muitas vezes, me sinto uma juíza de mãos absolutamente vazias, porque minhas decisões nunca deixarão de produzir seus duros efeitos e acabarão em uma caixa arquivo, no subsolo do tribunal. Contudo, quando conseguimos diluir um conflito pela via conciliatória, é como se a alegria daquelas pessoas passasse para nós. A conciliação que alcanço em um determinado processo, é guardada na alma das pessoas conciliadas e no meu coração”, frisou. 

Ela frisou que a busca pela aceleração na prestação jurisdicional, por meio de métodos não adversariais, deve nortear todos aqueles que participam do sistema judiciário: “Somente o apaziguamento de espírito conduzirá a humanidade à resolução dos problemas mais enigmáticos e obscuros que a Ciência busca desvendar, que são aqueles que afligem a alma, porque, em cada página do processo, está subjacente um rosto aflito à espera da resposta do juiz”, ressalou. 

A conciliação no ordenamento jurídico brasileiro 

Na sequência, Fátima Nancy Andrighi discorreu sobre a evolução da conciliação no ordenamento jurídico brasileiro, desde suas origens, nas Ordenações Manuelinas, até chegar ao projeto do novo Código de Processo Civil, em tramitação no Senado. Ela destacou o fato de que, nesse projeto, a conciliação não é obrigatória, citando os artigos 134 (“Cada tribunal pode propor que se crie, por lei de organização judiciária, um setor de conciliação e mediação.”) e 135 (“A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”).  

Nesse sentido, citou o § 7º do artigo 333 (“O juiz dispensará a audiência de conciliação quando as partes manifestarem expressamente sua disposição contrária ou quando, por outros motivos, constatar que a conciliação é inviável.”), observando que a realização da conciliação ficará a critério das partes: “A previsão da conciliação e da mediação apenas ‘enfeita’ o Código, porque, nos países mais avançados, para se criar a mentalidade, na sociedade – tanto da conciliação quanto da mediação –, foi preciso que esses procedimentos fossem obrigatórios, durante alguns anos”, ressaltou, ponderando que, quando as partes estão em litígio, muitas vezes, não têm equilíbrio emocional para avaliarem se querem tentar a conciliação. 

Ela atentou, também, para a obrigatoriedade de inscrição na OAB – além da capacitação mínima, por meio de curso – para o registro de conciliadores e mediadores nos tribunais. “Será que é correto fechar o mercado dessa forma, uma vez que será o juiz que homologará o acordo?”, indagou, destacando a importância da multidisciplinariedade nos métodos de solução de conflitos. 

Em relação aos aspectos constitucionais, lembrou que, na atual Constituição, houve um retorno ao disposto na Constituição do Império, mas sem a imposição da conciliação prévia como requisito especial para o ajuizamento da ação, porque isso entraria em conflito com os direitos constitucionais de acesso à justiça.  

A ministra destacou os incisos 78 e 98 do artigo 5º da Constituição, enfatizando que, ao assegurar a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade na sua tramitação, a Constituição traz uma mensagem subliminar, no sentido de abrir espaço e legitimidade aos mais diversos meios de resolução de disputas humanas – entre eles, a conciliação. “Já está comprovado que a geração da raiva ou da mágoa, mesmo que por apenas um instante, tem a capacidade de arruinar todas as virtudes acumuladas ao longo de uma vida. E é inimaginável a quantidade de ódio destilada durante a tramitação de um processo, que nem sempre é solucionado num prazo razoável”, afirmou.  

Nesse sentido, salientou que a conjugação desses dispositivos conforma a determinação constitucional da conciliação, apontando no sentido de um caminho mais rápido e efetivo e menos doloroso na solução de conflitos: “A conciliação não é matéria infraconstitucional. É matéria constitucional”, ressaltou.


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