Combate às fraudes bancárias é debatido em curso da EPM no Gade 9 de Julho
Representantes do MP, Defensoria, Procon e OAB palestraram.
A EPM realizou ontem (26) no Gade 9 de Julho o curso Fraudes bancárias: contratações eletrônicas e empréstimos consignados. O evento teve cerca de 1.150 inscritos nas modalidades presencial e on-line e contou com a participação de integrantes do Conselho Superior da Magistratura e exposições do promotor de Justiça Richard Gantus Encinas, do defensor público Rodrigo Gruppi, do diretor executivo do Procon-SP, Guilherme Farid; e do advogado Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior.
Na abertura, o desembargador Roberto Nussinkis Mac Cracken, coordenador da área de Direito Bancário da EPM e do curso, destacou o número excessivo de fraudes bancárias, em especial em contratos eletrônicos e empréstimos consignados, que vitimam principalmente pessoas beneficiárias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). E citou dados do jornal Valor Econômico que revelam que em 2019 havia 2.200 processos referentes a fraudes bancárias no Tribunal de Justiça de São Paulo, só em segunda instância, número que chegou a 6 mil em 2021, quantidade que acredita já ter sido superada em 2022. Acrescentou que o mesmo jornal revelou que em 2019 houve 2.500 reclamações sobre esse tipo de fraude no Procon-SP; 6.500 em 2020 e 8.355 em 2021. “Um terço dos processos distribuídos na Seção de Direito Privado envolve o tema, em especial empréstimos consignados em desfavor de aposentados e pensionistas, a maioria absoluta idosos. Essa é uma preocupação nossa que deve ser levada à sociedade, tanto que os diretores de banco compareceram aqui para debater com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, Defensoria, Procon e a OAB. Queremos buscar um consenso para aprimorar o sistema bancário”, frisou, agradecendo a participação de todos.
O presidente da Seção de Direito Privado, desembargador Artur César Beretta da Silveira, ressaltou a dimensão da Seção, maior do que os demais tribunais de Justiça do país, com cerca de 6 mil processos distribuídos semanalmente e 10 mil recursos especiais e extraordinários por mês para apreciação de admissibilidade. “Conforme disse o desembargador Mac Cracken, as fraudes bancárias representam hoje um terço ou mais da distribuição de apelações semanais do DP 2, mas o tema já está em estudo no Grupo de Estudos sobre Enunciados e Súmulas da Seção de Direito Privado e acredito que em breve poderemos apresentar enunciados ou súmulas com o pensamento do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre essa questão”, ressaltou.
A mesa de trabalhos também teve a presença do vice-presidente do TJSP, desembargador Guilherme Gonçalves Strenger; do corregedor-geral da Justiça, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, representando o presidente do TJSP; e dos desembargadores Alberto Gosson Jorge Junior, também coordenador da área de Direito Bancário da EPM e do curso; Spencer Almeida Ferreira, presidente da mesa; e Marcia Regina Dalla Déa Barone, coordenadora do Gade 9 de Julho.
Iniciando as exposições, Richard Encinas, secretário-executivo do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo (Cyber Gaeco), observou que atualmente não há ação criminal que não tenha direta ou indiretamente passagem pelo mundo cibernético, e isso foi potencializado pela pandemia, aumentando exponencialmente os danos financeiros. Ele lembrou que a Lei 14.155/21 aumentou a pena para furtos, fraudes e estelionatos que empreguem meios eletrônicos, principalmente contra idosos ou vulneráveis, delito que tem mínima de 5 anos e 3 meses, a mesma do roubo com emprego de arma de fogo. Entretanto, destacou a dificuldade processual na produção de provas e ponderou que esse aumento das penas não foi suficiente para reprimir o crime virtual. Mencionou também a alta volatilidade de pessoas com acesso aos sistemas das instituições financeiras para contratação eletrônica, devido à terceirização, e a redução do atendimento físico, dificultando o atendimento às pessoas mais vulneráveis e idosas, que muitas vezes nem percebem que são vítimas de descontos de empréstimos consignados não solicitados. Ele enfatizou que os órgãos do Estado ainda não estão aparelhados para combater os delitos cibernéticos e sugeriu a criação de mecanismos legislativos preventivos, que permitam o bloqueio cautelar administrativo de transações bancárias, com comunicação de fraude, para evitar que sejam pulverizadas em outras contas.
Na sequência, Rodrigo Gruppi, coordenador auxiliar do Grupo Especializado em Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, enumerou como principais fraudes bancárias a invasão do sistema por hackers; a obtenção de informações das vítimas mediante cliques em links ou outros mecanismos; e a extorsão após obtenção de acesso aos aplicativos de celulares roubados. Ele ressaltou a importância de se discutir a responsabilidade dos bancos nesses casos e medidas como o bloqueio imediato de determinadas operações para análise e a sua reversão durante eventual período de carência. Destacou ainda a facilidade com que são contratados os empréstimos consignados, muitas vezes por telefone ou por meio de inteligência artificial, contemplando pessoas com pouco conhecimento sobre o mundo virtual. “Se fiz uma manifestação de vontade que traz um vício de consentimento, porque não tinha todos os elementos para aderir ao contrato, isso não faz com que ele seja inválido?”, indagou, ponderando que o ônus de comprovar que a manifestação de vontade foi livre e consciente deve ser da instituição financeira, com a demonstração de que deixou claras as condições. E sugeriu o uso de mecanismos de redundância que possibilitem a ratificação da adesão ao contrato.
Guilherme Farid salientou a quantidade de reclamações recebidas pelo Procon-SP de pessoas, em geral idosas, alegando o depósito em suas contas de valores a título de empréstimo consignado que não reconhecem e cobranças em seus benefícios do INSS, sendo três reclamações somente na manhã do evento. E apontou como agravante golpes de boletos falsos na devolução dos valores não solicitados. “A vítima tem dois prejuízos de uma vez”, observou. Ele também enfatizou a necessidade de plena consciência do consumidor sobre as condições dos contratos, em especial diante da Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/21), mas lembrou que contratos de crédito consignado não solicitados estão sendo validados pelos departamentos jurídicos e executados pelas instituições financeiras. Nesse sentido, informou que a Febraban realizou uma autorregulamentação a respeito do tema, mas considerou que foi insuficiente, ponderando que a punição para o funcionário que cometa fraude nas contratações deveria ser bastante agravada, com a demissão e o expurgo do sistema financeiro. Sugeriu também a adoção de medidas como a assinatura digital e o double check no pagamento dos boletos e enfatizou que o Procon está em contato com o MP, a Defensoria e a OAB para combater esse tipo de fraude e evitar que a questão chegue ao Judiciário.
Por fim, Jesualdo Almeida Júnior, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB SP), discorreu sobre a responsabilidade da oferta de crédito e a necessidade da proteção dos consumidores, principalmente aqueles mais vulneráveis e idosos, mesmo nos contratos lícitos de empréstimos, em razão da dificuldade informacional, notadamente na questão da taxa de juros. Ele lembrou que o Código do Consumidor, embora seja de 1990, está bem aparelhado para enfrentar problemas dos contratos eletrônicos, porque é principiológico e coíbe a abusividade e a onerosidade excessiva, mas citou medidas que podem contribuir para aumentar essa onerosidade, como recente medida provisória que estabeleceu o aumento da margem do crédito consignado para o benefício de prestação continuada, para a renda mensal vitalícia e para o auxílio emergencial, além do estabelecimento de valores que considera módicos para condenações de instituições financeiras por danos morais.
Também participaram do evento o vice-diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda (on-line); os desembargadores Luiz Augusto de Salles Vieira, Décio de Moura Notarangeli, Eduardo Azuma Nishi, Álvaro Augusto dos Passos e João Batista Amorim de Vilhena Nunes; o superintendente do Banco Safra, Salim Jorge Curiati; o diretor jurídico do BTG Pactual, Bruno Duque; o diretor jurídico do Banco Bradesco, Aires Donizete Coelho; e os advogados Marcelo Tesheiner Cavassani, presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB SP; e Jorge Chagas Rosa; entre outros magistrados, advogados, servidores e outros profissionais.
MA (texto) / KS (fotos)