EPM inicia Núcleo de Estudos em Direito Fundamental à Saúde Pública e Suplementar
Ministro André Mendonça foi o expositor.
Com um debate sobre o tema “Conteúdo jurídico do direito fundamental à saúde pública e suplementar”, teve início no dia 27 de março o Núcleo de Estudos em Direito Fundamental à Saúde Pública e Suplementar da EPM. O ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça foi o expositor convidado, com mediação da desembargadora Mônica de Almeida Magalhães Serrano e do juiz Richard Pae Kim, coordenadores do núcleo.
Na abertura dos trabalhos, o diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, agradeceu a participação de todos, em especial do palestrante, e o trabalho dos coordenadores e destacou o sucesso do núcleo, com 47 magistrados, sendo 38 do Tribunal de Justiça de São Paulo, nove dos tribunais de justiça do Acre, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Pernambuco e Tocantins e uma do Tribunal Federal da 1ª Região. Tenho certeza de que os encontros serão muito proveitosos para o debate do tema da saúde no Direito brasileiro”, frisou.
O ministro André Mendonça recordou inicialmente que o direito à saúde é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e um dever do Estado, e deve ser garantido por meio de políticas públicas efetivas, numa perspectiva múltipla de prevenção, promoção à saúde, proteção da pessoa e da dignidade humana, com acesso universal e igualitário. Ele lembrou que o dever do Estado abrange as competências para legislar e para prestar um serviço público, em uma sistemática cooperativa e articulada dos entes federados. “A legislação sobre proteção e defesa da saúde é uma competência concorrente entre União, estados e Distrito Federal, sem prejuízo da competência para assuntos de interesse local correspondente, com base no artigo 30, incisos 1 e 2 da Constituição, atribuídos ao município, e o dever de prestar o serviço de saúde, previsto no artigo 23, inciso 2, também inclui todos os entes da federação”, afirmou.
O expositor observou que a prestação do serviço público de saúde também pode ser exercida por empresas ou organizações civis que atuam no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ou por operadoras e prestadoras de serviços de saúde suplementar. Ele ressaltou que, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, de janeiro deste ano, quase 51 milhões de pessoas são beneficiárias de planos privados de saúde, o que corresponde a um quarto da população brasileira, com impactos na judicialização da saúde.
O ministro frisou que o direito à saúde está relacionado a outros direitos fundamentais, como os direitos à vida, ao meio ambiente, economicamente equilibrado, ao saneamento básico, à proteção do consumidor, à família, criança, ao adolescente, ao idoso e à pessoa portadora de deficiência. Acrescentou que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada real investido em saneamento básico, há uma economia correspondente de quatro reais em saúde pública. “Os grandes problemas sociais, como saúde, segurança, educação demandam um tratamento transdisciplinar. Temos outros ramos do Direito interconectados, outras ciências, além de infraestrutura, governança pública e privada na área de saúde, efetividade das políticas públicas e boa gestão dos recursos públicos. É preciso haver um olhar integrado e sistêmico por parte de todos os gestores e dos membros do Poder Judiciário em relação à aplicação e à prestação de serviços de saúde”, frisou.
André Mendonça elencou como princípios fundamentais presentes no SUS a unidade, que decorre do princípio da universalidade do atendimento à saúde; a descentralização; a regionalização dos serviços de saúde; a hierarquização na execução dos serviços de saúde, em níveis crescentes de complexidade; a integralidade, que demanda a cobertura mais ampla possível; e a participação da comunidade como um todo, o que envolve discussões sobre democratização, governo aberto, transparência e participação social.
Judicialização da saúde
Em relação à judicialização da saúde, destacou como divisor de águas o julgamento pelo STF do agravo regimental no recurso extraordinário nº 271.286-8, de relatoria do ministro Celso de Mello, em 2000. “Esse julgamento trouxe o reconhecimento por parte do Supremo do direito à saúde como um direito indissociável ao direito à vida e que não se pode revelar indiferente ao problema efetivo da saúde da população, o que passou a demandar por parte do gestor público um comportamento efetivo de busca de solução e de realização do direito à saúde, sob pena de um reconhecimento de inconstitucionalidade por omissão ou um comportamento inconstitucional por prestação de serviço deficiente na área de saúde”.
O ministro ressaltou que, a partir desse julgado, houve um incremento da judicialização de serviços de saúde e destacou a evolução dos gastos da União com a judicialização da saúde em um período de 14 anos: de 23,9 bilhões de reais em 2007, passou para um bilhão de reais em 2015, alcançando 2 bilhões de reais em 2021. Ele salientou que a maior parte desse investimento foi feito para custear medicamentos de altíssimo custo, para atender um número muito restrito de pacientes. “Nós temos que ter uma saúde prestada universalmente, de forma integral. Não há como desconsiderar que há um direito essencial a ser garantido, na maior plenitude possível, mas o direito a ser atendido, em função da própria universalidade e integralidade, deve considerar não apenas o paciente especificamente, mas a sociedade como um todo, então o grande dilema é determinar os limites para atendimento do SUS”.
Nesse contexto, mencionou algumas teses estabelecidas pelo STF por meio de temas de repercussão geral, como o Tema 123, relacionado ao custeio da saúde por parte do SUS na relação com a saúde suplementar; o Tema 698, que tratou dos limites do Poder Judiciário para impor obrigações de fazer ao Estado, visando o atendimento do direito à saúde; o Tema 500, que trata sobre a obrigação de fornecimento de medicamento não registrado pela Anvisa, em que o STF estabeleceu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais; o Tema 793, que buscou equacionar a responsabilidade dos entes federados. “A jurisprudência do Supremo tem se mostrado altamente comprometida com a efetivação dos direitos fundamentais na área da saúde, mas ainda há pontos que precisam ser melhor aclarados e definidos, como a questão dos medicamentos de alto custo, que aguarda uma definição de tese”, ponderou.
Por fim, asseverou que deve ser permanente a busca de equilíbrio entre a efetividade do direito fundamental à saúde, com a correspondente sustentabilidade dos sistemas público e privado de saúde, num cenário de finitude de recursos. “O Poder Judiciário acaba sendo chamado a estabelecer esses parâmetros, à luz da garantia do direito fundamental à saúde com responsabilidade. Esse é o papel fundamental nosso”, concluiu.
MA (texto) / Reprodução (imagem)