ADILSON APARECIDO RODRIGUES CRUZ – Juiz de Direito
1. O acesso à justiça e o direito à prova
A garantia constitucional de acesso à Justiça extrapola que alguém possa formular sua pretensão ao juiz. A “interpretação constitucional evolutiva” (Luís Roberto Barroso) ao contrário da vontade do legislador, traz a prevalência da vontade autônoma que emana da lei; o mais relevante não é a conjuntura da norma quando editada, mas o seu fundamento racional que acompanha a vigência. As normas devem valer pela realidade de que participam. Não basta, pois, assegurar o acesso, mas o direito de exigir uma resposta do Poder Judiciário, em uma garantia substancial, o que importa em efetividade do resultado. É preciso viabilizar concretamente a tutela jurisdicional.
A interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ele na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes (Luís Roberto Barroso, Intepretação e Aplicação da Constituição, 7ª., ed, pg. 151).
O acesso à Justiça representa um Judiciário aberto, desde o plano constitucional, a quaisquer situações de ameaças ou lesões a direito e, pela efetividade do direito, impõe-se duração razoável do processo e sua celeridade. E mais ainda, não basta o direito processual civil dedicar-se ao conhecimento do direito aplicável, mas sim em criar condições concretas de solução integral até consumar a atividade satisfativa. Assim é no novo Código de Processo Civil, em que as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (4º., NCPC).
Na busca da satisfação do direito, no sentido do acesso que deve assegurar substancial efetividade da tutela jurisdicional, é preciso, para prosseguir, lembrar a advertência de Willian Santos Pereira (Princípios Fundamentais da Prova Cível, RT 2014, pg. 43) de que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa não são os princípios fundamentais da prova cível, mas do processo. Todavia, inegável a relação expressiva desses princípios com a prova cível.
Com efeito. O direito à prova como desdobramento do direito de ação surge na jurisprudência da Corte Constitucional Italiana. Michele Taruffo (Il diritto ala prova nel processo civile, Rivista di Direitto Processuale, p. 74-20, p. 75) anotou que aquela Corte ao tratar das garantias do artigo 24 da Carta italiana enfrentou problemas relativos ao direito das partes de se defender provando e, assim, reconheceu o direito à prova como manifestação essencial da garantia da ação e da defesa pela direta possibilidade das partes fornecerem em juízo a prova de suas pretensões (nota de Marici Giannico, A prova no código civil, Saraiva, 2005, pg.110).
Isto é, a garantia do devido processo legal (5º., LIV), o direito fundamental de ação ou garantia do acesso à justiça (5º., XXXV, CF), o contraditório e a ampla defesa (5º., LV) alcançam o direito probatório e o elevam a uma natureza constitucional, porque este “envolve a oportunidade de que as partes se manifestem e produzam provas sobre o direito que afirmam ter; de que se manifestem sobre as alegações e sobre o material probatório produzido pela outra parte e sobre a matéria que o juiz deve conhecer de oficio” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Tratado jurisprudencial e doutrinário, vol. I, RT, São Paulo, pg. 304).
O direito à prova envolve tanto o de realizar a prova como o de fazer a contraprova do alegado pela outra parte. No acesso à justiça e sua exigência de satisfação pelo processo, é assegurado às partes “influir eficazmente na convicção do juiz” (369, NCPC) e “em tema de contraditório e prova, nenhum litigante pode ver-se repelido em razão de prova de cujo conhecimento não teve possibilidade de acesso. Ademais, ao órgão judicial, na motivação in facto da sentença, não é dado levar em conta senão elementos probatórios colhidos segundo procedimento em que as partes hajam tido oportunidade real (e não apenas nominal) de participar” (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários à Constituição do Brasil, J.J. Gomes Canotilho...(et al.), Saraiva/Almedina, 2013, pg. 433).
Temos, portanto, que o direito à prova não existe como garantia constitucional específica e formal, mas é inferido na evolução do conteúdo que, sem modificação do texto da Constituição, viabiliza concretamente a tutela jurisdicional. Ou conforme Willian Santos Ferreira, que anota Luigi Paolo Comoglio e com apoio em Gerhard Walter, “a prova propicia a cognição judicial, o julgamento da lide que, ao envolver questão fática, é item indispensável para que o jurisdicionado alcance o bem da vida almejado. Daí por que atualmente tanto se ressalta que a noção do direito de acesso à ordem jurídica justa está indissociavelmente relacionado ao direito à prova, porque aquele inexiste sem este, sendo ambos elementos intrínsecos do Estado Democrático de Direito” (op., cit., 2014, pg. 56).
Releva, pois, que na entrega efetiva do serviço jurisdicional, o direito probatório é uma importante manifestação concreta do acesso à justiça, esta que é um princípio síntese e objetivo final, porque “as promessas e limitações residentes nas diversas garantias constitucionais e interligadas pelo fio condutor que é o devido processo legal tem um só e único objetivo central que é o acesso à justiça (...). Nem haveria justificativa para tanta preocupação com o processo, não fora pra configurá-lo, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento, com o autêntico instrumento de condução à ordem jurídica jus ta” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, volumes I e III, 6ª. ed., São Paulo, Malheiros, São Paulo, 2009.pg. 253).
2. Fundamentação
Há quem faça distinção em motivação e fundamentação. A motivação refere-se ao conjunto de motivos que levam o juiz a formar sua convicção; a fundamentação consiste do magistrado indicar as razões em que se louvou para decidir num ou noutro sentido. Neste aspecto, GILMAR FERREIRA MENDES e LÊNIO LUIZ STRECK trazem que a fundamentação das decisões inclui a motivação e que a fundamentação significa não apenas explicitar o fundamento legal/constitucional da decisão, mas que a justificação deve ser feita a partir da invocação de razões e oferecimento de argumentos de caráter jurídico. (...) Trata-se de uma verdadeira ‘blindagem’ contra julgamentos arbitrários. O juiz ou o Tribunal, por exemplo, devem expor as razões que os conduziram a eleger uma solução determinada em sua tarefa de dirimir conflitos" (Comentários à Constituição do Brasil, 1ª ed., 4ª tir., J. J. Gomes Canotilho, Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo: Saraiva/Almedina, 2014, p. 1324).
A distinção, todavia, não aparece como dominante. Em Moacyr Amaral Santos não traz a diferenciação (Comentário ao CPC., Forense, 1994, artigo 458, inciso II item 320). Nelson Nery Junior refere se ao princípio da motivação das decisões judiciais e administrativas (Princípios do Processo na Constituição Federal. 11ª. ed., RT. São Paulo, 2013, pg. 298/301) também não fazendo a diferenciação com fundamentação e é seguido por Cassio Scarpinella Bueno (Manual de Direito Processual Civil. São Paulo, Saraiva, 2015, pg. 48). William Santos Ferreira (op.,cit., pg. 289) também não faz a distinção.
O devido processo legal compreende a garantia do acesso à justiça e alcança o direito à prova que, na consequência do contraditório, impõe a fundamentação de todas as decisões judiciais (93, IX, CF). A motivação é elemento essencial das decisões, sua falta ou deficiência insuperável acarreta nulidade (93, IX, da CF) que, na economia processual e decretada em grau de recurso, torna o Tribunal apto a proceder ao julgamento direto (1013, § 3º., inciso V, NCPC), suprimindo a falta.
É na motivação que o juiz examina questões de direito e de fato, fixa as premissas e expõe sua conclusão que projetou no dispositivo de lei e alegações das partes. Neste aspecto “a exteriorização das razões de decidir revela, desse modo, o prisma pelo qual o juiz interpretou a lei e os fatos da causa, devendo aquelas, por via de consequência, vir expostas com clareza, lógica e precisão, visando à perfeita compreensão de todos os pontos controvertidos, bem como o resultado da demanda” (José Rogério Cruz e Tucci, A motivação da sentença no processo civil, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 107).
Na fundamentação não há o interesse somente pelas partes, estas pela manifestação nos autos, incluída a via recursal. Há a necessidade política. Na margem de apreciação na busca da solução adequada, ao que é atribuído ao magistrado a justificação tem importância pela atuação do juiz nas escolhas permitidas ao decidir. Ao que é viável de ser acolhido na opção fundada em juízo de valores, existe no princípio da motivação uma prestação de contas da função jurisdicional não somente ao jurisdicionado, mas também aos demais juízes, aos participantes do processo e a sociedade em geral. Na lição de Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira a conclusão é que “a fundamentação da decisão judicial, que deve ser dirigida à sociedade na qual judica o magistrado, onde também as partes estão inseridas, tem fundamental importância, na medida em que servirá para que a própria sociedade possa fiscalizar a atuação do magistrado, verificando se este decide segundo os valores sociais vigentes em determina época e em determinado local” (Curso de Direito Processual Civil, 2015, Verbatim, pg. 102).
A legitimidade das decisões jurisdicionais, pelo controle da arbitrariedade, esta pelas manifestações das partes e pela prestação de contas à sociedade, esta no julgador inserido na comunidade política, não tem o objetivo de convencer ou acertar. A persuasão racional das partes não tem este tamanho e inatingível alcance. Há o dever da clareza dos motivos à decisão. Se os argumentos expostos convencem é apenas um efeito e não a causa da motivação. A vontade em querer convencer é apenas o subjetivo, restrito ao magistrado ou, quando muito, do vencedor da demanda, ambos em querer a decisão como correta e de convencimento da outra parte e no grau recursal.
Querer a vontade de convencer ou acertar é desprezar que o litígio tem duas partes antagônicas, ao menos. O pronunciamento judicial não coloca fim a este antagonismo; a pacificação do conflito está mais relacionada ao poder jurisdicional e a efetividade do seu resultado que à aceitação ou o convencimento pelo decidido. Portanto, a despeito dos avanços no direito processual, com ou sem vontade no acerto ou do convencimento, a fundamentação segue como aquela que serve ao controle do apreciado e decidido no juízo.
Preservado o agora exposto, consta a nota de rodapé: “JAUERNIG, Othamar, Direito processual civil, cit., p. 267 “É muito interessante a lição do processualista alemão que as partes devem ser convencidas pelo juiz, é o que poderíamos denominar de persuasão racional das partes (ou persuasão racional inversa, em relação ao juiz). Evidentemente, que basta que o julgador fundamente com este objetivo e não que convença efetivamente as partes. A contrapartida da confiança da sociedade no Estado-juiz, entregando-lhe o livre convencimento, é a fundamentação da decisão estimulada pela vontade de convencer as partes” (nota de rodapé número 55, William Santos Ferreira, op.,cit., pg. 292).
A fundamentação ou motivação “ao mesmo tempo, enquanto assegura o controle da legalidade e do nexo entre convencimento e provas, a motivação carrega também o valor endoprocessual de garantia de defesa e o valor extraprocessual de publicidade. E pode ser, portanto, considerado o principal parâmetro tanto da legitimação interna ou jurídica quando da externa ou democrática da função judiciária” (Luigi Ferrajoli, Direito e Razão, Teoria do Garantirismo Penal, RT, São Paulo, 2ª. ed., 2006, pg. 574).
A fundamentação tem, pois, múltiplos aspectos que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas na CF 5º., trazendo, consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de convencimento, princípio do livre convencimento motivado” (Nelson Nery Junior, Princípios do processo na Constituição Federal, 11ª.ed., RT, 2013, pg. 300/301).
3. A fundamentação e as provas
Há a advertência de Norberto Bobbio “uma coisa é falar de direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justifica-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva” (nota de rodapé 29, Bruno Dantas, Teoria dos Recursos Repetitivos, São Paulo, RT, 2015). E, nisto, direito e garantia se distinguem. O direito tem caráter declaratório; a garantia tem caráter assecuratório. O direito à prova é uma garantia constitucional e, no assegurado “não significa que tudo que a parte alega ou mesmo todas as provas apresentadas devem constar sempre exaustivamente nas decisões judiciais, o que representaria ônus excessivo e inútil. O que é inadmissível é inadmissível é a desconsideração. O relevante é que não poderá faltar explicitamente na decisão” (Willian Santos Ferreira, op.,cit., pg. 50).
Na garantia processual relevantíssima, integrante do conceito de justo processo, não há o que, na substância, pode ser desconsiderado ou preterido, porque, assim, o pronunciamento judicial tem a maior dose de certeza possível e desejada, mas também há que o juiz não é refém de todas as pretensões probatórias; deve indeferir o evasivo, protelatório ou desprovido de razoabilidade e pode julgar antecipadamente a lide (neste sentido, o STJ, 1ª. Turma, Recurso Especial 1.384971-SP, não conheceram, v.u, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 02 de outubro de 2014). E no reforço da ausência da possibilidade do juiz ficar refém de qualquer pretensão probatória, a insistência da parte em providências inúteis pode ser intuito protelatório, com litigância de má-fé (80, incisos V e VI, NCPC).
No direito à prova, que não é o ilimitado, João Batista Lopes (Curso, Processo de Conhecimento, volume 2, Atlas, 2006, pg. 97) traz que “em regra só se provam fatos. Nem todos os fatos, porém precisam ser provados. Excluem-se da necessidade de prova os fatos irrelevantes (que não tem importância para o deslinde do caso), os incontroversos (que não são negados pelo adversário) e os imprecisos (que, por sua generalidade, não comportam demonstração)” e na prova do direito “a lei processual contempla exceções, cabendo a parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe o teor e vigência, se assim o determinar o juiz” (376, NCPC).
O livre convencimento motivado ou da sua persuasão racional continua no artigo 371 NCPC. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em interpretação da norma, trazem que “O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento, mas sempre vinculado à prova dos autos (...). O sistema não se contenta com o fundamento meramente formal, pois se exige que o juiz dê fundamentos substanciais indicadores de seu convencimento. Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte interessada e porque é aplicável no caso concreto” (Comentários ao CPC, São Paulo, RT, 2015 pg. 992).
O livre convencimento motivado, que “enaltece a ausência de critérios rígidos para a analisar as provas e julgar a lide... não significa arbítrio ou decisão por intuição” (Willian Santos Ferreira, op., cit., pg 288). O dever à fundamentação incide no que depende ou não de prova, isto é, a motivação do juiz é necessária no deferimento ou indeferimento. No direito de participação que alcança partes e o juiz, “na fase de produção de prova, toda decisão que possa acarretar gravame ao intendo da parte de fornecer ao juiz elemento de convicção deve ser adequadamente motivada. Não importa se o indeferimento se deu pela razão de o fato ter sido imputado incontroverso, impertinente ou incapaz de demonstrar o fato que se pretendida ver esclarecido, ou ainda se foi violada regra processual que impede a sua produção ou se a prova foi considerada ilícita” (Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Prova e Convicção, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2015, pg. 315).
João Batista Lopes distingue. No critério da persuasão racional, ao invés da livre convicção, “o juiz goza de relativa liberdade na apreciação das provas, já que não pode basear-se exclusivamente em suas impressões pessoais, mas deve ater-se ao conjunto dos autos e aos princípios jurídicos, às regras da lógica e da economia, às máximas da experiência, etc” (op.cit., pg. 104).
Na necessidade do não arbitrário, há mais limitações ao convencimento judicial. A prova legal é exemplo dessa outra limitação. Na lição de Arruda Alvim (Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 15ª., ed., São Paulo, RT, 2011) esta faz o estabelecimento absoluto de uma verdade formal; disciplinada por norma imperativa faz a supressão da valoração judicial, exceto sua regularidade formal, e no rigorosamente adstrito tem como reconhecida sua eficácia. A prova da propriedade imobiliária pelo instrumento público e a fiança só por escrito são exemplos dessa rigidez.
Ainda pelo mitigado ao acolhido, como regra, livre convencimento motivado, há a aderência do Estado à vontade das partes na autocomposição do litígio que, ocorrendo, não há julgamento propriamente, porque o juiz não faz avaliação do conteúdo probatório então produzido, mas, ainda assim, em atos que o vinculam. Tais são as hipóteses de reconhecimento jurídico do pedido, transação e renuncia ao direito, todas estas em sentença de mérito atípicas (Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 7ª. edição, São Paulo, RT, 2014. pg. 102).
4. A conduta do juiz na instrução probatória
João Batista Lopes (op., cit., pg. 103) menciona a influência de CAPPELLETTI na doutrina brasileira quanto ao papel que o juiz dispõe na apuração dos fatos e, nessa frente, José Roberto dos Santos Bedaque contrário ao que denominou de “postura inaceitável” da “mentira formal” permitida no poder instrutório do juiz, traz que “a relação processual rege-se sempre por princípios atinentes ao direito público, tendo em vista a sua finalidade (...). Os sujeitos parciais do processo podem estabelecer limites quanto aos fatos a serem levados em conta no julgamento (artigos 128 e 460), não em relação aos meios de prova que o juiz entender necessários à formação de seu convencimento” e, ainda mais, “somente o comportamento ativo do julgador faz com que seja respeitado um dos princípios de maior relevância social: o da igualdade real entre as partes” (CPC interpretado, Antonio Carlos Marcato, coordenador, Atlas, 2008, art. 130, pg. 382).
Willian Santos Ferreira (op., cit., pg. 183), ensina o princípio da máxima eficiência dos meios probatórios, inserido (nos deveres-)poderes instrutórios do julgador e orienta que “as regras existentes não devem conduzir a uma postura rígida do juiz, muito ao contrário, porque demonstram um preocupação legislativa com a máxima eficiência da instrução, sobretudo porque o Estado deverá resolver questões fáticas e, para tanto, meios eficientes são uma premissa”.
Nesta visão de postura mais ampla do julgador, o controle das atividades do juiz é na imposição à imparcialidade, observada na efetiva aplicação do principio do contraditório e na incidência concreta do dever de motivação das decisões.
Arlete Inês Aurelli (Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, pg. 73-85, abril/junho de 2015) afirma como alternativa ao antagonismo garantirismo processual/ativismo judicial, em convergência que alcança o direito probatório, tema desse trabalho, o princípio da cooperação ou da colaboração (6º., NCPC) que “aplicado e compreendido” pelos sujeitos do processo, impede que o juiz tenha ascendência sobre os interesses e ônus das partes, evitando abusos de autoridade, abusos de poder, e propicia, inclusive, a observância do princípio dispositivo”.
Uma afirmação simples: o direito está no meio. É João Batista Lopes que o revela, ensina: “a orientação mais adequada é no sentido de que tanto as partes como o juiz deve atuar dinamicamente na instrução probatória (princípio da colaboração na atividade probatória). É necessário, porém, que ao determinar provas de ofício, observe o juiz o princípio da imparcialidade, pois lhe é vedado favorecer uma das partes. Além disso, não deve o juiz converter-se em investigador de fatos, saindo em busca de provas. Investigar e julgar são funções que não se compatibilizam. Quem investiga pode comprometer-se psicologicamente com os fatos e perder a serenidade e o equilíbrio necessários para julgar. Diante disso, embora deva o juiz desempenhar papel dinâmico na instrução, não poderá extrapolar em suas funções para favorecer uma das partes” (op. cit., pg. 103).
5. A produção de provas durante todo o processo
São vários os momentos do procedimento probatório. Em regra, e no comum, as ocorrências processuais à avaliação da prova são concentradas, no seu ápice, na sentença. Produzidas as provas, devem ser avaliadas ao ensejo deste relevante ato do juiz. Mas não somente.
O momento da prova tem o antes do ajuizamento da ação, na necessidade da parte autora arrecadar documentos essenciais à petição inicial (320, NCPC) e, vencida a emenda à juntada, pode ocorrer o indeferimento da inicial (exemplo, ação de divórcio com ausência na inicial da certidão de casamento). Ausente hipótese de improcedência liminar, prossegue em eventual necessidade de justificação (exemplo das possessórias), continua com especificações exigidas na contestação (336, NCPC) e, depois, afastado o julgamento antecipado, com a admissão de mais provas no saneamento e o feito chega na audiência, com ou sem a perícia e, neste tramitar, pode haver provas determinadas de oficio.
Com as provas produzidas, a avaliação do juiz no conjunto probatório também não é restrita na sentença. Assim, o livre convencimento motivado também ocorre, inegável, na cognição parcial e não exauriente. Na prova antecipada, se formalmente processada há o que deve ser homologado pelo juiz. Outra hipótese, o juiz avalia a inicial e sua documentação de modo preponderante na prova apta à tutela provisória de urgência ou evidência. Prosseguindo, depois de formada a relação processual, pode haver incidentes à falsidade documental e, em audiência, formalidades exigidas ao depoimento pessoal (385, NCPC) e à idoneidade da testemunha no depoimento.
Seguem outros momentos à prova. Em grau recursal nada impede a decisão colegiada em determinar a colheita de depoimentos ou outras provas, se ocorrer o entendimento de ser a prova necessária, mesmo nesta outra fase. Nos tormentosos recursos excepcionais, e onde, aqui, neste aspecto, não cabem profundidades, há o que envolve à consideração judicial do conjunto probatório colhido. Na fase recursal importante diferenciar o reexame e revaloração da prova, preponderante porque “Para simples reexame de provas não cabe recurso extraordinário” (Súmula 279, STF) e “A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial” (Súmula 7, STJ). No alcance do tema, aqui, há que se consignar que o reexame é sobre credibilidade do depoimento, a autenticidade do documento, a consistência técnica do laudo, mas a valoração, que permite o acesso aos tribunais superiores, envolve matéria de direito, como ônus da prova e o critério legal de valoração.
6. Aspectos processuais da fundamentação das decisões no direito à prova. O artigo 489, § 1º., NCPC
Na fundamentação e seus poderes instrutórios há, na atualidade, que o destinatário das provas é o processo, não o juiz. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery são enfáticos que o destinatário da prova é o processo e prosseguem “O juiz deve julgar segundo o alegado no processo, vale dizer, o instrumento que reúne elementos objetivos para que o juiz possa julgar a causa. Portanto, a parte faz a prova que seja adquirida pelo processo. Feita a prova, compete a parte convencer o juiz da existência do fato e do conteúdo da prova. Ainda que o magistrado esteja convencido da existência de um fato, não pode dispensar a prova se o fato controvertido não existir nos autos prova do referido fato e, ainda, a parte insistir na prova. Caso indefira a prova, nessas circunstâncias, haverá cerceamento de defesa” (CPC, op.cit., pg. 984).
O fundamento a negação de ser o juiz o destinatário da prova é pelo princípio processual da aquisição processual da prova (ou da comunhão da prova). A prova uma vez produzida é adquirida pelo processo e, ausente prova ilícita, não mais pode ser extraída ou desentranhada, porque irrelevante conhecer quem a produziu no litigio em juízo.
Impõe-se observar que à fundamentação não há discricionariedade judicial em determinar ou não as provas necessárias ao julgamento do mérito (370, NCPC). Uma vez necessária não há a conveniência ou oportunidade. A fundamentação é, portanto, relacionada à necessidade da prova ao esclarecimento dos fatos.
As regras acerca dos fatos que independem de provas, trazem o objeto da prova (374, NCPC). Na lição dos Nery em seu CPC/2015 (op.cit., pg.1004) “o texto normativo comentado indica, a contrario sensu, que só podem ser objeto da prova os fatos controvertidos”. E nessas regras Willian Santos Ferreira (op., cit., pg. 305) traz que são hipóteses que somente ocorrerá se não houver prova em contrario, o que, prossegue o professor, significa uma diferença marcante entre fato que independe de prova e fato provado, assim considerado aquele admitido pelo julgador no momento da sentença.
Ao que é aceito como um complemento à indeclinabilidade da jurisdição, previsto na norma em que o juiz não se exime de decidir na hipótese de lacuna ou obscuridade e, no mesmo aspecto, permitida o uso da equidade nos casos previstos em lei (140, NCPC), as regras de experiência comum são admitidas como aplicáveis pelo juiz (375, NCPC).
As máximas de experiência “não são normas, mas noções ou conhecimentos decorrentes da experiência do juiz, ou seja, da observação do que comumente acontece. O contato com o mundo e os fatos vividos ou presenciados pelo juiz enriquem seu cabedal e permitem que ele, ao enfrentar situações, saiba como proceder, independentemente das normas jurídicas porventura existentes” conforme João Batista Lopes (curso, op. cit., pg. 104) este que, também, traz os exemplos, trafegar pela pista molhada ou proximidades de escolas, deve o motorista reduzir a velocidade ou redobrar sua cautela; na ultrapassagem de ônibus estacionado deve ocorrer cautela especial para evitar atropelamento de passageiros que, ao descerem, resolvem cruzar a via pública.
A fundamentação deve haver para ambas as partes, e não apenas para o vencedor. O juiz deve explicitar as razões acolhidas e não acolhidas. A este importante aspecto “O juiz que motiva fazendo referência somente às provas que confirmam a sua construção dos fatos arrisca facilmente ser vítima do confirmation bias, ou seja, da distorção do raciocínio pelo qual, individuada a priori uma versão dos fatos, tende se a levar em conta somente aquilo que a confirma, e ignorar tudo aquilo que a contradiz” (Michelle Taruffo, La motivazione dela sentenza, Revista de Direito Processual Civil, v. 31, pg. 184, Curitiba, Gênesis, jan-mar.2004).
É pertinente no aspecto processual relativo à prova observar que a identidade física do juiz não aparece expressamente na redação do NCPC ao que, antes, estava no artigo 132 do CPC de 1973. Essa outra redação comportava várias e inúmeras exceções e, portanto, é possível acolher o desaparecimento dessa circunstância. Todavia, Cassio Scarpinella Bueno (op. cit., pg. 310) e Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam a permanência da exigência do juiz, porque princípio implícito, vez que na audiência encerrado os debates ou razões finais, o juiz proferirá sentença na própria audiência (366, NCPC) porque, ademais, argumentam aquele que presidiu a audiência de instrução é o mais apto à sentença.
E há o artigo 489, § 1º., NCPC., com os elementos essenciais da sentença. Além do relatório, fundamentos e o dispositivo exigidos expressamente, há minúcias na norma ao que não é considerado fundamentado. No inicio deste trabalho, e muito reiterado, há que o devido processo legal compreende a garantia do acesso à justiça e alcança o direito à prova, com imposição da fundamentação (93, IX, CF). Ocorre que a nulidade se decretada em grau de recurso, torna o Tribunal apto a proceder ao julgamento direto (1013, § 3º., inciso V, NCPC), suprimindo a falta.
O dispositivo “integra os contornos da noção contemporânea do princípio do contraditório. O contraditório não se resume à atividade das partes, no sentido de terem oportunidade de afirmar e demonstrar o direito que alegam ter. O contraditório só tem sentido se se supõe a existência de um observador neutro, no sentido de imparcial que assista o diálogo entre as partes (alegações + provas) para, depois, decidir. O momento adequado para o juiz demonstrar que participou do contraditório é a fundamentação da decisão. As partes tem que ser ouvidas, apesar de suas alegações poderem, é claro, não ser acolhidas. Até porque o juiz pode decidir com base em fundamentos não mencionados por nenhuma das partes (iura novit cúria). Mas não sem antes dar as partes oportunidades de se manifestar” (Primeiros Comentários ao novo código de processo civil, coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 2015, vários autores pg. 795).
Também na mesma disposição há regras de como interpretar as decisões judiciais. É exigido de todos os participação a conjugação de todos os elementos do pronunciamento judicial, em conformidade com a boa fé (§ 3º., 489, NCPC).
7. Conclusões
- O acesso à justiça é além da formulação da pretensão. O direito à prova é desdobramento do direito de ação e envolver o realizar a prova como o de fazer a contraprova o que serve à eficácia da convicção do juiz
- A fundamentação é invocação de razões e oferecimento de argumentos de caráter jurídico e ‘blindagem’ contra julgamentos arbitrários.
- Na fundamentação há o interesse das partes e necessidade política. Mas não tem o objetivo de convencer ou acertar, mas o de motivar concretamente na esclarecedora da opção de um poder de Estado.
- O direito à prova é uma garantia constitucional, integrante do conceito de justo processo.
- O direito à prova não tem o ilimitado às partes e a necessária participação do juiz há também a este os limites no seu livre convencimento motivado.
- A conduta do juiz na instrução probatória está sobre importantes questionamentos. O alcance de seus poderes, em agir ou não de oficio à busca da verdade, tem sofrido modificações.
- Na atualidade o destinatário das provas é o processo, não o juiz. A prova uma vez produzida é adquirida pelo processo e, excetuadas poucas possiblidades, como a prova ilícita, não pode ser desentranhada dos autos.
- Uma vez necessária não há a conveniência ou oportunidade à produção da prova.
- A identidade física do juiz não aparece expressamente na redação do NCPC
- O artigo 489, § 1º., NCPC traz minúcias em como deve ser a decisão fundamentada. A nulidade, se decretada, deve ser suprida em grau recursal, com autorização do julgamento direto.
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